segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

A anta do meu terraço de antúrios - José Edson dos Santos


Seria heresia dizer que alguém invadiu matreiramente meu terraço para se proclamar minha santa ladainha de devoção. Certamente a arte com seus signos, a poesia, o mantra e a seresta que compactuamos na toca da tapioca ajudou na deglutição das formigas no terreno do antipático tamanduá bandeira. Cabe a sagacidade da razão como forma de pensamento conter o duelo preliminar entre o desatino da paixão e o estilhaço disso tudo. O território do amor e do seu duplo sempre deságua no rio do zoológico inconsútil. O resto é conversa fiada de quem não presta atenção à estação do ano.

Você nem sabe o tanto que procurei a floresta de nossos delírios, a hiléia prosopopéia de anta que cantava um samba canção como sinfonia ao sol particular, mas um cisco abestalhado entrou em meus olhos abrolhos e fiquei perdido no mato sem os cachorros da rainha abelha. Matutei alguns instantes como centelha e lembrei de usar aquele colírio colorido que me deste quando peguei a conjutivite das corujas doidivanas. Foi um alívio e um ledo engano frustrante, pois da floresta encantada, onde as árvores que nos sombreavam na primavera, restava uma espécie de bungavília e o ipê roxo não estava florido. A samaumeira, onde gravaste teu nome de canivete junto ao meu, com dois coraçõezinhos amorosos e uma seta de cupido, foi podada pela especulação imobiliária otária. Depois dos condomínios, arranha-céus tenebrosos desafiando as alturas.

Minha lagoa santa, lembras dos dias em que tecias paisagens loucas no canto de minha boca sedenta de desejo e sal? Teus pêlos, tua pele esplendorosa reluziam na água maravilha de provocação e sede. Beijos mentolados de batom na chuva contrapondo ao sacrifício da carne na sexta-feira da paixão sem chocolate e cereja. Dançavamos mambo para curar dor de garganta. Precisava encontrar um antídoto para a tesão desenfreada e as inclemências do corpo bambo. Não tinha nada de sado-masoquista nisso, apenas um ato singelo de bem querer à anta que judia o coração abobalhado de sortilégio com uma santinha-do-pau-oco. Esse formigamento dá uma fissura danada! O jeito é escutar alguma coisa do Frank Zappa do que ficar esperando pela diamba da preguiça.

O calor invade o zoo. Peço uma fanta uva no tropical bar de sempre e a paixão escancarada se apodera do meu peito. Escute aqui, antinha escrachada, modere no moderex com coca-cola. Deixe de anorexia e quebranto. Não é legal ficar piradinha fazendo pirraça na praça das três garças mitificadas. Não complique o bailado trivial com o bolero descompassado dos quero-queros. Tente entender meu urro noturno embucetado, ando meio tresloucado com a bunda de quati de fora. Se o rio das antas não mudar seu curso e desaguar em meu estuário, garanto que viro uma capivara ensandecida para lutar contra minha insensatez. Se não for desta vez, de que adianta entrar na água santa de tua lagoa para lavar a manta de cetim que ficou tingida de mágoa e mercúrio?

Maldita enxaqueca que não me larga quando me deixas só. Solitário falando sozinho com os duendes do relento. Sou mais um mapinguari abandonado e ciumento na noite cinzenta. Preciso de vinho e uma jugular que acalante a pasmaceira de esperar pela segunda-feira cheia de surpresas, trazendo o sol de dezembro para bronzear as patas tentadoras de minha anta. Bichos estranhos e loucos nesta fauna fauvista e exótica reverenciamos a natureza de nossa costela para aquecê-la em um céu de pecados e estrelas. Mesmo com toda a rotação de disco alterado, espere por mim, antinha safada, na estrada que leva a boate dos suspiros. Prometo que levo um buquê de antúrios.

sexta-feira, 19 de novembro de 2010

Negras Poesias e Itamar Assumpção - Luzia



ESCOVA PROGRESSIVA?
Cristiane Sobral (Nasceu no Rio de Janeiro, em 1974, e reside em Brasília desde 1990. Como escritora, possui poemas e contos publicada na Antologia Cadernos Negros, edições 23, 24, e 25. Graduada como atriz habilitada em Interpretação Teatral pela Universidade de Brasília, sendo a primeira negra a ganhar o título acadêmico. http://crisobral.sites.uol.com.br/)

Se a raiz é agressiva
Escova progressiva
Se a raiz é agressiva
Escova progressiva
Aí!
Eu tenho medo do formol!
Eu tenho medo do formol
Abaixo a chapinha no cabelo da neguinha
Abaixo a chapinha no cabelo da neguinha
Abaixo, abaixo, abaixo!


PIXAIM ELÉTRICO
Cristiane Sobral

Naquele dia
Meu pixaim elétrico gritava alto
Provocava sem alisar ninguém
Meu cabelo estava cheio de si

Naquele dia
Preparei a carapinha para enfrentar
a monotonia da paisagem da estrada
Soltei os grampos e segui, de cara pro vento, bem desaforada...
Sem esconder volumes nem negar raízes.

Pura filosofia
Meu cabelo escuro, crespo, alto e grave...
Quase um caso de polícia em meio à pasmaceira da cidade
Incomodou identidades e pariu novas cabeças

Abaixo a demagogia
Soltei as amarras e recusei qualquer relaxante
Assumi as minhas raízes ainda que brincasse com alguns matizes
Confrontando o meu pixaim elétrico com as cores pálidas do dia.


BOTE
Cuti (Luiz Silva Cuti é escritor, Mestre em Teoria da Literatura e doutorando no Instituto de Estudos da Linguagem - UNICAMP. Publicou, dentre outros, Flash Crioulo sobre o Sangue e o Sonho (poemas - 1987) Quizila (contos - 1987), Dois Nós na Noite (teatro -1991) e Negros em Contos (1996).

aos que ainda caçam
escravos
meu cuspe de desacato
e o fogo de fato
a derreter abismos
chego ao coração do
suicídio
e não me mato
liberto noite s repletas de gatos
e salto
com sete vidas
afiadas unhas
na jugular dos palhaços

NAÇÃO INUSITADA
Cuti


em festa rodopiem o desejos
este beijo é mais
que o ensejo
do sexo

mundos em melanina se fundem no afeto
reencontro de rios perdidos
selvas
sagas
mares temperados com africanas algas
eletrizantes peixes pretos
e seus volts de memória
atávica

neste encontro de fontes
ontens em lábios-romã celebram
orgasmos intensos de amanhãs passíveis
e os deuses deixam-se os poros abertos
neste ir e vir
de ancestrais suores

OXUM
Jorge Amâncio (Carioca, nasceu em 1953 e reside em Brasília desde 1976. Licenciado em Física pela Universidade de Brasília, professor da Fundação Educacional do Distrito Federal, participante e ativista de movimentos sociais de luta contra o preconceito racial. Começou a publicar seus textos poéticos no jornal Raça do M.N.U. (Movimento Negro Unificado), no início dos anos 80. É responsável, com Marcos Freitas, pela organização do evento Poemação no auditório da Biblioteca Nacional de Brasília, desde meados de 2009).


Oh! Sol da beleza!
Rainha dos raios!
De Ogum, Oruminlá e Oxossi
Segunda de Xangô

Fertilize a terra
Sêmen que tens
no ventre de luz
abrangente de paz

Oh! Sol, rainha!
Oxum beleza

NEGRO SAFADO
Jorge Amâncio

Eta negro safado
Um novo tarado
Pancada ao troco

Êta negro safado!
- Olha a rua
Negro de rua
- Fecha o trânsito
- Tranca rua

Êta negro safado
Que fica calado
Braços cruzados
se lado a tudo
sem conteúdo

Êta negro safado!
- Entra pelos fundos
Elevador de serviço
- Um sorriso
- sim doutor

Êta negro safado!
- É um assalto!
De dentes cerrados
- É uma arma!
De pernas lonhas
- É a polícia!

segunda-feira, 1 de novembro de 2010

A morte em poesia



Angélica T.Almstadter

http://www.overmundo.com.br/banco/a-morte-4



xfavelagrindx.blogspot.com/2008/11/dia-dos-mo...

Os Mortos (Abel Silva)

Deixem os mortos, eles não se levantam mesmo
me diz pela boca e narinas
o poeta Bob Dylan.
Mas os mortos se levantam sempre
( alguns sequer se deitam )
atravessam o ritmo das culturas
requentam o mormaço dos remorsos
azedam o estio das paixões.
A cada notícia da violência
de todos os dias
um morto toca a tua fronte
outros erigem monumentos a outros mortos
comandam exércitos
impingem o hálito podre às narinas indefesas
hipnotizam auditórios
disparam carros
abortam utopias
escrevem em jornais.
Difundir a morte
é a sua alegria
no seu ofício trabalham
noite e dia
e não se cansam
jamais

Madalena Sem Panos (Nauro Machado)

O morto requer precisa
de espelho para o seu rosto.
Nenhum espelho dispõe
dos olhos já tão translúcidos

do morto. Do morto que, além,
destituído de corpo,
jamais precisa de corpo,
jamais precisa de espelho
para olhar sequer seu rosto.

Todo dia é dia D (Torquato Neto)


Desde que saí de casa
trouxe a viagem da volta
gravada em minha mão
Enterrada no umbigo
dentro e fora assim comigo
minha própria condução
Todo dia é dia dela
pode não ser pode ser
abro a porta e a janela
Todo dia é dia D
Há urubus nos telhados
e a carne-seca é servida
um escorpião encravado
na sua própria ferida
não escapa, só escapo
pela porta da saída
Todo dia é o mesmo dia
de amar-te, amorte, morrer
Todo dia menos dia
mais dia é dia D

Véspera do dia dos mortos (Luís Antonio Cajazeira Ramos)


Eu não amei meu pai como devia.
Houve o dia de amá-lo e não o amei.
Ele morreu, e não nasci ainda.
Amanhã levantei sem seu amor.

Nenhum conselho amigo soa seu.
Uma vida padrasta me acompanha.
Meu caminho não quis olhar pra trás.
Tão longe de meu pai me abandonei.

Nem meu, nem de ninguém, nunca fui seu.
Não me quis dar a quem eu estranhava.
Só teu colo, mamãe, era aconchego.

Do pai, resta-me um calo de silêncios.
Ai, arranco do peito o corpo estranho.
Coração, cava o chão, busca meu pai.

Os mortos riem...(Robson Sampaio)

No Dia dos Mortos,
os mortos riem do choro
e das rezas dos vivos,
lamúrias perturbadoras
da paz e do silêncio
do Campo Santo.

Os mortos riem tal qual
hienas: sorrisos permanentes...
Mas, os vivos choram e choram,
rezam e rezam, enquanto os mortos
riem, riem e até gargalham...

Os mortos riem,
no Dia dos Mortos, ou não.
Tal qual hienas: sorrisos permanentes,
escárnio dos vivos-sobreviventes e mortos-vivos,
rotina da vida eternamente...

segunda-feira, 25 de outubro de 2010

Almira Rodrigues: Afetos & Palavras



Salvador Dali - Metamorfose de Narciso
Almira Rodrigues nasceu no Rio de Janeiro, em 13 de setembro de 1953. Filha de parnaibanos foi ficando um pouco piauiense. Morou em Belo Horizonte por muitos anos e desenvolveu também um jeito mineiro de ser. Em Brasília passou o maior tempo de sua vida. Aqui teve seu filho e depois ganhou duas netas. Formou-se em Sociologia pela UnB, onde fez seus estudos de pós-graduação. Em sua dissertação de mestrado desenvolveu uma análise sociológica sobre as relações amorosas e na tese de doutorado pesquisou sobre cidadania e políticas públicas no âmbito das relações afetivo-sexuais. Trabalhou com políticas sociais em instituições públicas e integrou a ONG Centro Feminista de Estudos e Assessoria - CFemea. Atualmente faz formação psicanalítica no Instituto de Psicanálise Virgínia Leone Bicudo, da Sociedade de Psicanálise de Brasília. Publicou Afetos & Palavras (Poesias), Editora Abaré. Brasília, 2009.

Para o poeta Luiz Turiba, “Palavra é a ferramenta, o batom na boca desta carioca-mineira-brasiliense que herda em seus poemas uma certa síntese cínica & mineiríssima de Adélia, uma sabedoria à moda antiga de Cora e/ou uma transcendência juvenil de Ana Cristina Cesar. Foi nessa pescaria que ela criou seu poemário.”

a
comodações

acomodo palavras em afetos
acomodo afetos em palavras
e ainda assim
faltam palavras e sobram afetos


bordado

desejo atravessado
contido
engasgado
não desce
nem vai embora
fica ali
enquanto isso
gestos trans/bordam

centroavante

minha história de amor não começa com você
você não é o início
e provavelmente não será o fim
mas de certo
hoje você é o centro

desejo

você esteve de passagem
deixou o alimento
e o desejo à vista
pendurado no varal
fico embebida por seus movimentos
crio linhas e linhas de caminhos até você
fico toda enrolada
bom será
que você também
fique enrolado em mim

espelhos

fostes um grande espelho
também fui
em nossas andanças de alargamento e vastidão
nos enxergamos um no outro
e no entanto
queríamos ser mais do que espelhos

fantasmas

alguns afetos
precisam de palavras para tomar corpo
senão viram fantasmas

pinturas

pedaços de dor em chamas
camadas infinitas de véus
sonhos sonâmbulos
formas disformes
corpos contorcidos
desertos grutas crateras
suas pinturas em mim

21

bichos me habitam
aparecem de noite
de dia se recolhem

69

virar poeta
é abrir uma loucura branda

segunda-feira, 11 de outubro de 2010

Poesias em Ser Criança




http://waldartesvisuais.blogspot.com/2010/08/achados...

Como disse um poeta ponta de lança de minha infância, “como é bom voltar a ser criança”. Reviver o período de encanto e ternura, descobertas e aprendizagens significativas no universo mágico da existência. A arte sempre teceu um manto imaginário de significados da infância. A música e a poesia ampliaram essa quintessência de cântico e clamor com imagens que ficaram flutuando em nossos sonhos. Assim como poetaram Cecília Meireles, Henriqueta Lisboa, Vinícius de Moraes, Mário Quintana e Zeca Baleiro, velhos sonhos de infância.

OU ISTO OU AQUILO (Cecília Meireles)
Ou Isto ou Aquilo Ou se tem chuva e não se tem sol
ou se tem sol e não se tem chuva! Ou se calça a luva e não se põe o anel,
ou se põe o anel e não se calça a luva!
Quem sobe nos ares não fica no chão,
quem fica no chão não sobe nos ares.
É uma grande pena que não se possa
estar ao mesmo tempo em dois lugares!
Ou guardo o dinheiro e não compro o doce,
ou compro o doce e gasto o dinheiro.
Ou isto ou aquilo: ou isto ou aquilo...
e vivo escolhendo o dia inteiro!
Não sei se brinco, não sei se estudo,
se saio correndo ou fico tranqüilo.
Mas não consegui entender ainda
qual é melhor: se é isto ou aquilo.

No último andar é mais bonito:/do último andar se vê o mar./É lá que eu quero morar./ O último andar é muito longe:/ custa-se muito a chegar./
Mas é lá que eu quero morar./Todo o céu fica a noite inteira/
sobre o último andar/É lá que eu quero morar./
Quando faz lua no terraço/fica todo o luar./ É lá que eu quero morar./
Os passarinhos lá se escondem/para ninguém os maltratar:/no último andar.
De lá se avista o mundo inteiro:/ tudo parece perto, no ar./
É lá que eu quero morar:/ no último andar.

O MENINO POETA (Henriqueta Lisboa)
O menino poeta/não sei onde está/procuro daqui/procuro de lá/tem olhos azuis/ou tem olhos negros?/Parece Jesus/ou índio guerreiro?
Ai! que esse menino/será, não será?/procuro daqui/procuro de lá.
O menino poeta/quero ver de perto./Quero ver de perto/para me ensinar/as bonitas coisas/do céu e do mar.

A CASA (Vinicius de Moraes)
Era uma casa
Muito engraçada
Não tinha teto
Não tinha nada
Ninguém podia
Entrar nela não
Porque na casa
Não tinha chão
Ninguém podia
Dormir na rede
Porque na casa
Não tinha parede
Ninguém podia
Fazer pipi
Porque penico
Não tinha ali
Mas era feita
Com muito esmero
Na Rua dos Bobos
Número Zero

DORME RUAZINHA… É TUDO ESCURO!…(Mário Quintana)

Dorme ruazinha… É tudo escuro…
E os meus passos, quem é que pode ouvi-los?
Dorme teu sono sossegado e puro,
Com teus lampiões, com teus jardins tranqüilos…

Dorme… Não há ladrões, eu te asseguro…
Nem guardas para acaso perseguí-los…
Na noite alta, como sobre um muro,
As estrelinhas cantam como grilos…

O vento está dormindo na calçada,
O vento enovelou-se como um cão…
Dorme, ruazinha… Não há nada…

Só os meus passos… Mas tão leves são,
Que até parecem, pela madrugada,
Os da minha futura assombração…

CANÇÃO DO INTERIOR (Zeca Baleiro)

Feito índio na canoa/ bicho-de-pé carrapato/
tamarindo fruta boa/ picada aberta no mato/
futebol de sol a pino/ felicidade era fato/
tosse gripe passa ungüento/ saci não usa sapato/
vida de menino bento/ bento monteiro lobato/

minha arca de noé/ eram bichos nos quintais/
porco marreco cabrito/ como já não se vê mais/
jacaré fugiu do rio/ corre que lá vem zás-trás/
“to fraco” grita a galinha/ d’angola nhambus guarás/
meu quintal faria inveja/ a vinícius de moraes

domingo, 3 de outubro de 2010

quarta-feira, 29 de setembro de 2010

Oi Poema - Lançamento



Cristiane, Nicolas e Bic; (atrás:) Amneres, Turiba e Angélica, em foto de Eraldo Peres.

Poetas lançam sete livros em grande encontro literário e cultural. Dia 28/09, a partir de 18h, no Espaço Cultural Renato Russo, 508 Sul.

Demorou quase dois anos a gestação da Coleção OIPoema, que chega ao público no próximo dia 28, 3ª feira, no Centro de Criatividade 508 Sul. São seis livros de poetas de palavras: Luzidianas, de Angélica Torres Lima; Não vou mais lavar os pratos, de Cristiane Sobral, Poemas de um livro verde, de Bic Prado; Diário da Poesia em Combustão, de Amneres; Meiaoito de Luis Turiba; Bagaço da Laranja II, de Nicolas Behr, e junta-se ao grupo o poeta visual e gráfico Resa (Luis Eduardo Resende), com Miserere Nobis. Os livros saem com o selo da Produtora Sinhá, sob direção de Mônica Monteiro, por meio do apoio financeiro do FAC/Secretaria de Cultura do DF.

Além da ação de publicar e lançar os livros, o grupo OIPoema tomou a iniciativa de adotar escolas públicas de áreas carentes do DF, como contrapartida ao apoio recebido do Fundo de Apoio à Cultura (FAC-SECDF). Durante duas semanas de setembro, os poetas visitaram escolas de áreas carentes, doaram livros, fizeram recitais e breves conferências para os alunos. “A leitura cria a fantasia para a criança, além de ser uma forte ação social de ajuda no combate ao avanço do crack entre os nossos jovens”, afirma Luis Turiba, coordenador da coleção. Com esse princípio, os “Ois” poetas – que, aliás, atuam sem nenhum patrocínio de empresas de telefonia celular – acreditam poder fazer algo mais útil do que simplesmente doar uma cota da tiragem dos livros ao FAC, no acordo da contrapartida fixada pela Secretaria de Cultura do DF. (Divulgação OiPoema)

LANÇAMENTO DA COLEÇÃO OIPOEMA – Em 28 de setembro, terça-feira, a partir de 18h, no Espaço Cultural Renato Russo do Cento de Criatividade 508 Sul. Preço de capa unitário: R$ 20. Preço da coleção completa: R$ 70.

Coletivo de Poetas na Barca Brasília







A Barca Brasília Poética que sai do Cais da Concha Acústica, Setor de Hotéis e Turismo Norte, navegou pelo Lago Paranoá iluminada pela esplendorosa lua cheia do Planalto Central e ao sabor dos versos ditos e cantados pelo Coletivo de Poetas nos dias 25 e 26 de setembro. Participaram do sarau os poetas convidados, Basilina Pereira, José Edson dos Santos, Menezes y Morais e o músico e professor Fernando Machado. Imagens do passeio através do olhar fotográfico de Basilina Pereira.

terça-feira, 31 de agosto de 2010

De tão azul, sangra - Ray Cunha


O sabiá da minha quadra começa sua armadilha de amor às 4h30. Acordo, às 5 horas, com seu canto. Ligo o abajour do criado mudo, visto-me, ponho um casaco e vou ao banheiro. Depois vou para a cozinha e preparo café Três Corações, gourmet. Bebo três xícaras de fumegante arábica com leite em pó, pãezinhos com manteiga ou doces. Faço minhas orações. São 6 horas. Os pássaros fazem algazarra na fria manhã de inverno tropical de altitude.

Ao sair de casa dou de cara com nova rosa no meu jardim. É uma pequena rosa amarela que se banha, sem prestar atenção a mim, ao sol redentor. Namoro-a. Ela continua seu banho, alheia ao mundo. As rosas são assim mesmo, só se importam com o sol. Mas eu gostaria de continuar perto dela apenas para a amar. Contudo, só beija-flores, borboletas e, claro, o sol e a brisa a tocam as rosas. E também mulheres que amam.

Parece que Deus arrumou a manhã para mim. As mangueiras estão grávidas e no ar pairam risos de crianças e tênues cheiros que lembram mulher com Chanel número 5 e mar. Certa vez, sentou-se ao meu lado, no ônibus, uma menina. Teria 14 anos. Tinha o encanto que todas as meninas têm. Perguntou-me onde ficava tal lugar – queria descer ali. Sosseguei-a. Disse-lhe que a avisaria quando ela deveria descer. Passado um pouco, ela cochilou e encostou a cabeça no meu ombro. Olhei-a. Dormia como uma criança. Procurei não me mexer até o ponto em que ela deveria descer. Acordei-a. Ela despertou sorrindo, agradeceu e se foi. Tinha a indiferença das rosas, mas, como as rosas, deixou um rastro tênue de cheiros.

Depois do trabalho, de volta a casa, paro no Big Bar, na 311 Sul, e peço uma Bohemia. Sabe-me enevoada. O rio da tarde murmura. A tarde se evola, se dilui. Os flocos negros da noite começam a cair. O sol se põe e os sons da tarde vão dando lugar à noite. Uma mulher passa na calçada. É uma linda mulher, que enobrece mais ainda os murmúrios do anoitecer.

Lembro-me, de repente, do Walmir Botelho, que me ensinou a transitar nas esquinas tumultuadas das redações dos jornais. O Walmir Botelho é diretor de redação de O Liberal de Belém do Pará. Quando vou a Belém, tomo meu banho noturno bebendo Cerpinha, e depois continuo bebendo Cerpinha e vendo a cidade, lá embaixo, da janela do hotel. Em Goiânia, bebo Brahma; no Rio de Janeiro, chopp da Brahma; em Manaus, Antarctica. Bebi durante 40 anos e deixei de beber para valer em 2008, mas uma vez ou outra bebo vinho ou Bohemia, ou Cerpinha.

Vou para casa. Em casa, olho para a pilha dos livros que estou lendo. O primeiro deles é Da Minha Janela – Crônicas da política brasileira (LGE Editora, Brasília, 2010), do jornalista André Gustavo Stumpf. Vou resenhá-lo. Também preciso ler História Desagradáveis, de Gladstone Machado de Menezes (LGE Editora, Brasília, 2010). Estou lendo em casa A Bíblia de Jerusalém, que me foi recomendada por Erwin Von-Rommel, autor de 100 Segredos (Zennex Publishing, São Paulo, 2003). À noite, na cama, leio a Verdade da Vida, volume 3 (Seicho-No-Ie do Brasil, 1962), de Masaharu Taniguchi. Quando vou para o trabalho, leio O livro dos espíritos (Instituto de Difusão Espírita, São Paulo, 1984), de Allan Kardec.

Coloquei ainda na pilha O Pequeno Príncipe (Agir, Rio de Janeiro, 1987), de Saint Exupéry. Li-o há muito tempo. Depois o li novamente, agora para minha filha, Iasmim, quando minha princesinha era um bebê. Lembro-me dos grandes olhos negros da Iasmim pousados em mim enquanto lia o livro, e nas ilustrações. Foi aí que comecei a chamar para minha princesinha de “meu bem”. E também foi Exupéry que me despertou para as coisas que não vemos com os olhos físicos, mas apenas com o coração.

Ao chegar em casa, vejo que chegaram dois volumes pelos Correios. Abro-os. Um é para eu entregar para o Joy Edson (José Edson dos Santos); o outro é para mim. Trata-se de Adoradores do Sol – Novo textuário do meio do mundo (Scortecci, São Paulo, 2010), de Fernando Canto. Fernando Canto é o escritor que melhor representa Macapá, a cidade que fica na esquina do maior rio do mundo, o Amazonas, com a Linha Imaginária do Equador. Macapá fica no mundo das águas, a meio caminho do Caribe e da Hileia. Vou mergulhar no texto de Fernando Canto, pois estou há muito tempo em Brasília.

A noite lá fora é azul escuro, tão azul que sangra.

Ray Cunha nasceu em Macapá/AP. Estreou na literatura em 1972, com o livro coletivo de poemas Xarda Misturada (edição dos autores, Macapá), juntamente com o poeta e contista José Edson dos Santos (Joy Edson) e José Montoril. Em 1982, a União Brasileira de Escritores, seção de Manaus, publicou Sob o céu nas nuvens, poemas.

Em 1990, Ray Cunha estreia na ficção, com A grande farra (edição do autor, contos, Brasília). Em 1996, a Editora Cejup, de Belém do Pará, publica o conto A caça e o romance O lugar errado. Em 2000, publica Trópico Úmido – Três contos amazônicos (Brasília, edição do autor) e, em 2005, a Editora Cejup volta a publicar um romance do escritor, A Casa Amarela.

Paralelamente à carreira de escritor, em 1975, Ray Cunha estreia no jornalismo como repórter policial do Jornal do Commercio de Manaus. Na Amazônia, trabalhou ainda, entre outros jornais, em A Crítica, de Manaus; Gazeta do Acre, de Rio Branco; e O Liberal e Diário do Pará, de Belém. Em Brasília, foi repórter, redator e editor de jornais como o Correio Braziliense e Jornal de Brasília. É editor do portal Conexão CPLP (http://www.conexaocplp.com.br/).

sábado, 21 de agosto de 2010

Céu - Cangote

3 Poemas Revisitados - José Edson dos Santos



Praia, Releitura "Antropofagia" de Tarsila do Amaral: Ravi Brito


Brasilírica Noite

Ipê amarelo
emoldurado na Esplanada
itinerário rumoroso até rodoviária
entre quebrada do Conic
divagações intermitentes

A dama dos antúrios
roda bolsinha grená
ao transitar passarela do pecado:
- Vem cá, coroa enxuto...
Vem fazê um programa maneiro em minha quitinete!

A lua emana
noturna melodia dos elementos
o sinal semafórico das horas avança

Estrela vésper medita
deixando um rastro
de metalinguagens
e aliterações cintilantes
no céu alto do Planalto Central

Praia Antropofágica

O Abaporu do rito indigesto
fugiu da mata multicultural galeria
levando a Negra dos lábios de açaí

Miscigenaram sob sol do Equador da dor
criando o eterno mito nativo de ser eterno
enquanto tropicaliente moderno cativo
com a praia antropofágica devorando o dia


Sexta Besta e Bastarda

Sexta-feira
da paixão mal resolvida

o vendavel acontece
na guarita da ilusão perdida

Tormenta
na besta
vida seresta

Sábado de aleluia
Judas Priest uva e vaia
com ferida sangrando

Sexta-feira do tempo
Morangos mofados

Cesta de catupiri
cuia de cuspir ditados

da vida
estúpida
tecendo drama
tafiá com thc

Sexta besta y
bastarda

quinta-feira, 22 de julho de 2010

LÍVIA - José Edson dos Santos



Angelina Jolie de Vernon


A cartografia da casa estava desenhada no inconsciente, nada tinha mudado. Em sua frente uma estante de mogno amarelo: poucos livros, cds, dvds, o aparelho de som e uma pequena televisão. Na parede lateral, as trepadeiras, a samambaia e as plantas sensitivas. O periquito que trouxera de Santarém, roia caroço de açaí em cima do trapézio improvisado sujando os ladrilhos da sala. Bem ao lado da janela que divagava ao infinito azul, mantinha como sortilégio a estatueta de uma índia marajoara e o quadro expressionista de Olivar Cunha. Ouvia agora, baixinho, Ella Fitzgerald, My Melancholy Baby. Lívia dormia tranqüila nas almofadas espalhadas. Acendeu um cigarro transgressor tragando a espiral do instante. Leva a mão esquerda ao queixo imberbe, remetendo à nostalgia do tempo em que dançava com Lívia no clube campestre do Leão do Norte. A orquestra tocava Os Românticos de Cuba perto da piscina onde os casais exercitavam suas coreografias calientes. Lívia sorria enigmática como Ártemis irradiando um luar encantador. Estrelas cadentes riscavam o céu.

Levantou da cadeira minimalista e foi até a cozinha. Abriu a geladeira na sôfrega vontade de alimentar a sua permissividade de fim de semana. Mastigar, engolir ou até mesmo beber o sólido do possível para dar caloria necessária a sua anatomia predadora. Escovou os dentes deixando um pouco do flúor na boca, uma delícia instantânea e fria na língua. De volta à sala instintivamente vislumbra os seios epicuristas colados na blusa branca de meia de Lívia. Ela indolente gata angorá manhosa se vira em cúbito dorsal. Começa a massagear carinhosamente toda extensão de suas costas, palmeando com lascívia a coluna cervical, vértebra por vértebra, até atormentá-la no arrepio da nuca que logo se alucina todo o corpo em frenesi, como no mito da carne fraca, a adorável carne fresca da luxúria. Acaricia com desejo e formigamento sua coxa desprevenida com um beijo úmido que vai deslizando um pouco acima da patela.

Assim se introduz na circunstância plausível, desenhando essa hora alada do corpo. Hipocampos nos olhos notívagos dilatados. Sempre sacou esses lances dos sentidos, dos gestos, da semiótica corporal da paixão como magia espontânea da natureza humana. Tamborilou os dedos na mesa de mosaico que Telma havia dado de presente à sua prima potiguar. Quase sodomizado, retorna em câmera lenta à sala onde Lívia resfolega como a deusa esplendorosa do Kama Sutra. Sente uma vaidade freudiana que condensara dos surrealistas. Com destreza afaga seus cabelos ondulados e belos como se recriasse histórias do inconsciente coletivo, do retorno a mitologia da adolescência com livros de Lewis Carrol, Mário Quintana, Kalil Gibran, Anais Nin e Herman Hesse. Não lembrava mais da barca atracada no porto de Santana nem dos ganidos perto do muro no quintal. O perdigueiro Rique dormia olhando à lua careca. Violinos urdiam harmonias celestiais nos mirabolantes devaneios que se perdiam no bosque Rodrigues Alves das antigas ilusões pueris. Lembranças da boemia no Laguinho das beatas de São Benedito, do rufianismo com as putas do Bar Caboclo nas noites etílicas de Macapá. Do outono passado em Belém, Icoaraci, Ilha do Cutijuba, ouvindo Hermético Sangue Sideral.

Jogou paciência com meticulosidade por algum tempo, pensando deixar para depois o sono de Camofeu exaurido sobre o corpo quedo de Lívia, para sentir bem de leve quando ele chega sem pedir licença, cumplicidade e dengo. Começa chover. Tece o vôo da imaginação povoado de elfos, neiredes e cogumelos alucinógenos. Pink Floyd tocando The Dark Side Of The Moon.

Fica um cenário acrílico de quem sonha com a noite indolente quando retoma seus mergulhos abissais. Quem sabe pela manhã tente retornar à página marcada do Fragmento do Discurso Amoroso. Lívia insistiu tanto para que lesse alguns ensaios de Roland Barthes e a História do Olho do George Bataille. Tudo esvaindo como Op Art do caleidoscópio sobre a mesa de mosaico que Telma esqueceu depois do jantar. Aquele momento assim mesmo. O silêncio se condensa em névoa e vultos distorcidos. Invenção de bocejos intermitentes na cartografia do silêncio da sala. Não podia prever absolutamente nada. Música no ar aprazível.

sábado, 1 de maio de 2010

Da Poética Candanga - Poesia Sobre Poesia(Climério Ferreira)





Climério Ferreira, poeta e letrista da mpb, nasceu em Angical do Piauí, em março de 43. Publicou os livros de poesia: Memórias do Bar do Pedro & Outras Canções, Canto do Retiro, A Gente e a Pantasma da Gente, Essa Gente (c/Duarte), Artesanato Existencial, Pretéritas Canções, e Memorial de Mim.

Da Poética Candanga – poesia sobre poesia é composto de poemas de Climério Ferreira sobre a poesia dos poetas brasilienses: Aglaia Souza, Alexandre Marino, Aloísio Brandão, Altino Caixeta de Castro, Ana Maria Lopes, Anderson Braga Horta, Angélica Torres, Antonio Carlos Osório, Ariosto Teixeira, Bené Fonteles, Carlos Marchi, Cassiano Nunes, Clodo Ferreira, Cristina Bastos, Domingos Carvalho da Silva, Domingos Pereira Neto, Eudoro Augusto, Ézio Pires, Fernando Mendes Viana, Francisco Alvim, Guido Heleno, Hélio Póvoas Júnior, Hermenegildo Bastos, Hugo Mund Júnior, Joanyr de Oliveira, João Carlos Taveira, José Edson dos Santos, José Santiago Naud, Lilia Diniz, Lourdes Teodoro, Luiz Martins da Silva, Luiz Turiba, Maju Guimarães, Menezes y Morais, Nicolas Behr, Noélia Ribeiro, Oswaldino Marques, Paulo Bertran, Paulo José Cunha, Paulo Tovar, Pedro Tierra, Ramsés Ramos, Reynaldo Jardim, Salomão de Sousa, Tânia Kedma, Tita Lima, Vera Americano, Vicente Sá, Xênia Antunes.

As releituras da Poética Candanga - Poesia sobre Poesia, de Climério Ferreira, edição Casa das Musas com Apoio do Açougue Cultural T-Bone, segundo o poeta e compositor "Tudo começou de brincadeira com Eu Quero Ser Chico Alvim. Veio então a ideia de trabalhar com os versos de alguns poetas brasilienses, tendo como método a produção de poemas sobre a poesia de cada um deles, aproveitando os versos, compondo versos de ligação, invertendo-lhes de vez em quando o sentido original.
Predominou o caráter subjetivo das escolhas, nascidas da admiração, da amizade e (por que não?) da inveja – no bom sentido – que o autor nutre por cada um dos poetas e a beleza indiscutível dos seus versos. Da Poética Candanga significa uma pequena gota no imenso oceano da poesia de Brasília. Em verdade, deseja ser uma despretensiosa homenagem do autor à cidade e seus poetas"
.
Falar o necessário
esquartejar os labirintos
estilhaçar as retinas
Essa madrugada atravessada no abismo
da solidão das ruas frias
labora a invenção do silêncio
O ardiloso trabalho das palavras
perfura a couraça do tempo (JOSÉ EDSON DOS SANTOS)
Há quem permita a contemplação do ser
Há quem contenha tal beleza
Há quem se aproxime do ser perfeito
Serei parte dessa fartura
que fabrica alfais de garças em voo
É que medói a saudade do mar
se a poesia está fora de mim
É quando se anula o ser
que se desintrega no nada (MAJU GUIMARAENS)
Seguiremos a estrela
é chegada a hora
os pássaros trabalham sua cantiga
e curam as cicatrizes dos amores que tive
Eu, cúmplice de mim,
sigo a plenitude de cada momento
pois o tempo escorre no olho de Deus
Inda verei muitas luas
não tente impedir meu caminho (MENEZES Y MORAIS)
Há nesta cidade uma oficina
em que se trabalha ferro e vontade
Há uma oficina no sangue do povo
na qual se malha com ternura
As mãos em silêncio plantam a liberdade
pois se esgotou o tempo de consentir
Fui poeta e gritei metal fundido
continuo convertendo a noite em semente
Fui poeta e sobrevivi (PEDRO TIERRA)
Às vezes ando
com a loucura pousada nos ombros
Outras vezes sinto saudade da vida
tem cada alminha sem graça
Faz nove anos que ele morreu
a cidade nem mudou tanto
a tarde flutua no quintal
e o cheiro do café invade a cozinha
Morrer não é desculpa pra não rever os amigos (VICENTE SÁ)

sábado, 24 de abril de 2010

e.e.cummings



O poeta americano e.e.cummings (1894-1962 ) depois de estudar latim e grego em Harvard, dedicou sua vida à poesia. Conhecido pela sutileza da forma gráfica de seus poemas, teve nos concretistas Augusto e Haroldo de Campos seus tradutores e divulgadores. Considerado um dos poetas essenciais do paideuma literário junto com Mallarmé e Pound.
“Falecido aos 67 anos de idade, e. e. cummings pertence à estirpe dos inventores da poesia moderna, ao rol daqueles poucos que realmente transformaram a linguagem poética de nosso tempo, em sintonia com o prospecto de uma civilização cujos crescentes progressos científicos vão abolindo vertiginosamente as fronteira entre a realidade e a ficção. Abominado por críticos e poetas conservadores , cummings mereceu, em contrapartida, a admiração de escritores do porte de Marianne Moore, William Carlos William, John dos Passos e Ezra Pound”.

(Haroldo de Campos , publicado no livro "poem(a)s" . Editora Francisco Alves - 1998)

nalgum lugar em que eu nunca estive,alegremente além

de qualquer experiência,teus olhos têm o seu silêncio:

no teu gesto mais frágil há coisas que me encerram,

ou que eu não ouso tocar porque estão demasiado perto

teu mais ligeiro olhar facilmente me descerra

embora eu tenha me fechado como dedos,nalgum lugar

me abres sempre pétala por pétala como a Primavera

abre

(tocando sutilmente,misteriosamente)a sua primeira rosa

ou se quiseres me ver fechado,eu e

minha vida nos fecharemos belamente,de repente,

assim como o coração desta flor imagina

a neve cuidadosamente descendo em toda a parte;

nada que eu possa perceber neste universo iguala

o poder de tua imensa fragilidade:cuja textura

compele-me com a cor de seus continentes,

restituindo a morte e o sempre cada vez que respira

(não sei dizer o que há em ti que fecha

e abre;só uma parte de mim compreende que a

voz dos teus olhos é mais profunda que todas as rosas)

ninguém, nem mesmo a chuva,tem mãos tão pequenas

Tradução: Augusto de Campos

na estrênua brevidade

Vida:

realejos e abril

treva, amigos

eu me lanço rindo.

Nas tintas fio-de-cabelo

da aurora amarela,

no ocaso colorido de mulheres

eu sorrisando

deslizo.

Eu na grande viagem escarlate

nado, dizendomente;


(Você sabe?) o sim, mundo

é provavelmente feito

de rosas & alô:

(de atélogos e,cinzas)

Tradução: Augusto de Campos


tuas pernas plantas de sonho
cujo fruto alimenta o esquecimento
teus lábios sátrapas em escarlate
cujo beijo é uma união de reis
teus pulsos
sagrados
são guardiões das chaves do teu sangue
teus pés nos tornozelos são flores num vaso
de prata
em tua beleza o dilema das flautas
teus olhos são a traição
de sinos vistos por entre o incenso
Tradução: Mário Domingues


(a lua escorrega de uma nuvem
um relógio toca meia-noite
um dedo puxa um gatilho
um pássaro entra num espelho)


Tradução: Adalberto Muller


Formosa,hei de tocar-te com meu pensamento.
Tocar-te e tocar e tocar
até que de repente me
dês um sorriso,timidamente obsceno

(formosa hei de
tocar-te com meu pensamento.)Tocar
te,e só,

suave e inteiramente tu hás de tornar-te
com leveza infinita

o poema que não hei de escrever.

Tradução: Maurício Cardoso

quinta-feira, 4 de março de 2010

Johnny Alf - José Edson dos Santos


www.popsdiscos.com.br/generomusical.asp?secao...

Johnny Alf
um piano sideral
dedilh’alfa beta ômega
céu alegre
imenso do amor

Eu só sei
uma canção pra disfarçar
Bossa só
quase tudo igual

Tudo que é preciso
Eu e a brisa
samba sem balanço

Eu quis fugir de teus olhos
teclando infinito compasso

Podem falar
Sou um rapaz de bem
e por favor, seu Chopin
não vá ficar zangado
essa brisa insinuante
nos faz
um jazz
um Sinatra
um Farney
Fã Clube

sábado, 30 de janeiro de 2010

A Síndica das emoções subliminares José Edson dos Santos



http://www.google.com/images


Depois do café apressado no Grão de Pólen, do cigarro sedentário fumegado no preâmbulo matinal, da hipocondria que teimava em ficar remoendo um fatídico filme familiar, entro no elevador sozinho e deparo com Arlete, a síndica do prédio, como se estivesse substituindo a assessorista de minhas emoções subliminares. Ela se posiciona em minha frente dominadora para sussurrar próximo da orelha onde ostento um percing colocado por Eva Célia. Ontem a noite foi porreta, ela diz com a voz de Salomé, acionando o botão da porta impaciente. Fico encabulado mais ainda consigo contrapor com certo cinismo:

- Arlete, sua ninfomaníaca, assim você me maltrata. Tenho que voltar ao trabalho...

Com Arlete não há razão para preliminares de sutilezas do cama, mesa e foda. O abraço afoito, o beijo úmido e ardente, o desejo estampado nos olhos de lince faminta como se fosse a assessorista de minhas perversões sadomasoquistas. O trabalho na Gazeta da Asa Norte que aguarde a entrevista que faria com o Renato Matos sobre Olhos D'Água, amanhã entrego no meu horário adicional. "janeiro seria breve demais ou será mais verdadeiro?"

* Martha Medeiros, em Cartas Extraviadas. L&PM Pocket, 2009.

segunda-feira, 18 de janeiro de 2010

Martha Medeiros - Cartas Extraviadas



http://colunas.g1.com.br/files/25/2008/11/martha.jpg

Martha Medeiros é colunista do jornal Zero Hora de Porto Alegre, e de O Globo, do Rio de Janeiro. Trabalhou em propaganda e publicidade, mas logo se sentiu frustrada com a carreira. Quando seu marido recebeu uma proposta de trabalho no Chile, decidiu que uma mudança de país seria uma ótima oportunidade para dar um tempo na profissão. Esta estada de nove meses no Chile, na qual passou escrevendo poesia, acabou sendo um divisor de águas na sua vida. Quando voltou para Porto Alegre, começou a escrever crônicas para jornal e, a partir daí, sua carreira literária deslanchou. http://pt.wikipedia.org/wiki/Martha_Medeiros


minha desilusão e desejo foram folhetinescos
eu fui uma maria louca, uma ana das lágrimas
personagens cujos nomes trazem um destino
fui tereza dos anjos, vera das cruzes
chorei mais que em uma novela das oito
glória dos aflitos, santa dos mistérios
sofri em silêncio e aos gritos
rita das trevas, cássia das dores, rosa noturna
fui uma fátima de todos os lamentos
até que um dia me vi atendida em meus pedidos
sem prévio aviso não havia mais sufoco em meu peito
nem homem algum no pensamento
rebatizada: helena das flores, clara do sol
doeu também o amor deposto
visto que todo sentimento que some também é abandono
mas respiro melhor como rosa dos ventos, serena da silva

-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.--.

deixei cair a santa de gesso, espatifou no chão, a santa
não sei que santa era aquela que me foi dada
não tive curiosidade de saber, e ela quebrou no chão
antes de eu descobrir que tipo de proteção me aguardava

-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-

dia após dia o mesmo prato requentado
tarde da noite e nada aconteceu
desperto no escuro ainda é cedo pra acreditar
que vai haver futuro e que vale a pena
esperar de banho tomado

segunda-feira, 4 de janeiro de 2010

Anas - José Edson dos Santos





Poema para acordar Ana Luiza


Talvez você não saiba, Ana

ananás é uma bromélia

que dá uma flor

e um fruto bem bacana


Que na luta do dia-a-dia

todos os sacanas dos abacaxis

devem ser descascados

com cuidado, Ana


Ana Galega


Transporto na carruagem dos dias

sinaleira de sonhos

ritos de infância

primaveras deveras


Olhos de omelete

fritando sol bardo

Beijo paisagem

amanhecida no rio do sono


Desabono babilaques

lirismo percevejo

onde moleque molho

linguagem-de-araque

em coração de serafim


Anacrônico


Quando acorda

o sol tem outra idade


a paisagem virou condomínio

e a manhã amadureceu

com o fruto da tenacidade


A música dos pássaros

cultiva o campo dos anos

onde o espanto é outro


Nunca vi ninguém perceber
anacrônico sentimento do espelho
na porcelana dos olhos de Ana