quinta-feira, 31 de dezembro de 2009

Ano Novo e Esperança





Meia noite. Fim

de um ano, início

de outro. Olho o céu:

nenhum indício.


Olho o céu:

o abismo vence o

olhar. O mesmo

espantoso

silêncio


Da via láctea feito

um ectoplasma

sobre a minha cabeça:

nada ali indica

que um ano novo começa:

nada ali indica

que um ano novo começa:


E não começa

nem no céu nem no chão

do planeta:

começa no coração.


Começa como a esperança

de vida melhor

que entre os astros

não se escuta

nem se vê

nem pode haver;

que isso é coisa de Homem

esse bicho

estrelar

que soma

(e luta)





Lá bem no alto do décimo segundo andar do Ano

vive uma louca chamada Esperança

e ela pensa que quando todas as sirenas

todas as buzinas

todos os reco-recos tocarem

- Ó delicioso vôo!

Ela será encontrada miraculosamente incólume na calçada,

outra vez criança...

e em torno dela indagará o povo:


- Como é teu nome, meninazinha de olhos verdes?

E ela lhe dirá

(É preciso dizer-lhes tudo de novo!)

Ela lhes dirá bem devagarinho, para que não esqueçam:

- O meu nome é ES-PE-RAN-ÇA...

domingo, 20 de dezembro de 2009

Jorge de Lima - Poemas de Natal



oglobo.globo.com/blogs/fotoglobo/post.asp?t=b...

Jorge de Lima nasceu em Alagoas, em 1893. Fez os primeiros estudos em sua cidade, União, e depois em Maceió, no Colégio dos Irmãos Maristas. Estudou Medicina em Salvador, transferindo-se para o Rio de Janeiro, onde defendeu tese sobre os serviços de higiene na capital federal. Ainda estudante de Medicina, publicou seu primeiro livro, XIV Alexandrinos (1914). Após ter se formado, retornou a Maceió. Sem jamais ter abandonado a Medicina, lecionou na Escola Normal Estadual da cidade, chegando a ser diretor. Ocupou outros cargos públicos estaduais, como Diretor-Geral da Instrução Pública e Saúde e Deputado, além de manter constante seu interesse pelas artes plásticas.Em 1930, transfere-se, definitivamente, para o Rio de Janeiro, onde clinica e leciona Literatura Brasileira, nas Universidades do Brasil e do Distrito Federal. Em 1925 foi eleito vereador, ocupando, três anos mais tarde, a presidência da Câmara, no Rio de Janeiro. Assinalou a polimórfica trajetória com muitos e sucessivos rótulos estéticos: modernista, regionalista, nativista, “cantor da poesia negra e do folclore”, neo-simbolista, místico-realista, “poeta cristão.” ·Sua obra mais conhecida, "Essa negra Fulô", foi publicada em seu livro "Novos Poemas". Faleceu, no Rio de Janeiro, em 1953.

Poema de Natal

Era um Natal. E um poema de alegria
escrito pela mão que se iludia

E nele havia dádiva do dia
e nele havia sinos acordados;

e havia nele tudo o que se espera
com seus anseios sempre contrariados

só lhe faltava o que ninguém sabia
porque ficara n’alma o que fizera.

Poema de Natal

Era um poema freqüente
repetido
com o menino nos braços
de uma virgem
Desse poema presente
e sempre ouvido,
os tempos e os espaços
tinham origem
pois à origem do poema
sempre havia
essa virgem e o infante
e a poesia.
E era o início e era a extrema
da criação,
era o eterno e era o instante
da canção.

Natal

Feliz de quem, quando o ano termina,
possui um doce e acolhedor abrigo:
a companheira, o filho, a avó tão rara
ou mesmo o amigo
com quem possa se reunir em Cristo
e sua vida interior desperte viva
de dentro de si uma alma de São Francisco
o amor generoso, o heroísmo estranho
de beijar um leproso.

De lembrar-se de que há no mundo
criaturas de Deus pelo Natal
sem companheira, e sem a avó tão rara
e sem um beijo da mãe ou um beijo de filho,
e até um livro que substitua o amigo.

Feliz de quem, quando o ano termina,
pode ver a estrela no céu
e tem olhos ainda
para encontrar Jesus.

terça-feira, 15 de dezembro de 2009

Fernando Canto - O Homem Curvo


www.maisturismo.net/tag/cidades-estado-do-amapa/




Fernando Canto - Escritor e compositor amapaense, premiado no I Concurso de Contos das Universidades do Norte (Núcleo de Arte/UFPA-1992), com o conto O Bálsamo, que depois virou título de livro, editado pela EDUPA (Belém-1995). Outras obras publicadas: Os Periquitos Comem Mangas na Avenida” (Macapá, 1984), Telas e Quintais (1987), Água Benta e o Diabo (1998) e equinoCIO (2004). Sobre a cultura amapaense em www.fernando-canto.blogspot.com/
O Homem Curvo
Meus olhos infantis ainda enxergam o homem sentado na ponta do trapiche; a trouxa ao lado e a calça escura balançando ao vento. Sua silhueta lembra um soldado descansando da campanha e o jeito magro e curvo parece mostrar mais lassidão, assim como um cavalo magro e velho pastando em campo infértil.
Há três dias aquele homem está sentado no mesmo lugar como se estivesse pescando sem linha, sem caniço ou anzol na maré seca de ondas ralas. Isso é motivo de preocupação. Mas a minha preocupação infantil é jogar meu futebol na praia lamacenta da frente da cidade. Não consigo, porém, me concentrar. A bola é chutada para dentro do rio que já vem enchendo. É lateral. Vou pegá-la adiante e vejo o homem mais perto. Ele está lá. Impassível. É uma estátua viva. “Joga a bola G.”, meus amigos gritam. Eu deixo a pelada de praia, me visto, apanho os jornais que me restam para vender e resolvo ir onde o homem está.
Um sol de equinócio racha meus cabelos escorridos e o solado dos meus pés acostumados que são a andar descalços sobre a enorme ponte de madeira. Ando quase 500 metros, encontrando pessoas e vou vendendo jornais. Ainda bem que o vento espanta esse sol abrasador. Barco chega, barco parte, ancora, aporta e descarrega. E o homem lá. Seu modo esquisito de se comportar dá a impressão que compartilha um segredo com as águas ondeantes do rio, pois elas chegam e varam os pilares do ancorandouro associando uma música estranha aos meus ouvidos.
Aproximo hesitante do homem curvo e ele não dá a mínima. Nem diz, como os outros adultos “Sai daí menino, é perigoso ficar na beira do trapiche”. Ofereço-lhe o último exemplar do jornal e ele fala “Não sei ler”. Mas eu respondo “Eu leio pro senhor”. “Não precisa, ele diz, eu sei de tudo o que se passou aí atrás, por isso estou aqui olhando as águas.”
Sento ao lado dele e fico horas jogando conversa fora. Parece que agora sei tudo sobre ele e entendo porque ele está ali há tanto tempo sem dormir, sem se alimentar e sem fazer as necessidades fisiológicas. Compreendo sua sede de olhar o rio que vem e que vai, assim como se apresenta o destino no meu entendimento de menino trabalhador. No calor da empatia lhe pergunto tudo. Ele me diz que só não pode dizer o que traz na sua trouxa. Fico aflito, mas ele me conforta, passando as mãos nos meus cabelos.
A manhã passa e um dia inteiro fica no passado. Eu ainda estou ao lado do homem contemplando o rio e os pássaros que flecham com seus voos o céu do poente e da nascente. Não sei quantos dias já se passaram. Sei apenas que num certo momento, na hora em que nascem os raios de sol, ele me fita e diz: “Vou embora. Mas vou deixar minha trouxa aqui neste trapiche. Por favor não abra. Adeus”.
Como se suas pernas fossem de pau, compridas, iguais às dos palhaços do Circo Garcia, ele levanta e segue para dentro do rio até desaparecer no canal.
Lembro que chorei muito. Ao chegar em casa a febre inevitável do encantamento me fez delirar por tantos dias que quase fui internado no Hospital Geral. Mas nada como um chá de ervas e outros esforços familiares para eu ficar bom. Até benzeção e banho de cheiro me ajudaram na retirada do quebranto.
Ao olhar, hoje, o rio e as ondas se quebrarem no trapiche, na emoção de pisar no baluarte de Nossa Senhora da Conceição, sobre a Fortaleza de São José de Macapá, não vejo mais a silhueta do homem curvo. Mas tenho a ligeira impressão que ele ainda está lá. Não sumiu no canal. Todavia, creio que se ele não estiver, está a sua trouxa de sarrapilha encostada num pau de amarração dos barcos. E nela, intuo, reside algo bom, tão bom quanto a esperança que precisa ser guardada numa trouxa qualquer, sob pena de homens e crianças perderem o encantamento que mora no barro e emerge sempre do fundo do rio.
(Publicado no livro “Trapiche – Ancoradouro de Sonhos”. Edição comemorativa à reconstrução do Trapiche Eliezer Levy. Org. Marcia Correa.)

terça-feira, 8 de dezembro de 2009

William Butler YEATS



Retrato de W.B. Yeats, da autoria de seu pai, John Butler Yeats - 1906


William Butler Yeats nasceu em 13 de junho de 1865, em Dublin, Irlanda, onde se desenvolveu em um meio culto e criativo. Poeta e autor teatral, Prêmio Nobel (1923) de Literatura. Foi o representante máximo do Renascimento irlandês e um dos escritores mais destacados do século XX.
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O Prazer do Difícil


O prazer do difícil tem secado

a seiva em minhas veias.

A alegria espontânea se foi.

O fogo esfria no coração.

Algo mantém cercado meu potro,

como se o divino passo

já não lembrasse o Olimpo,

a asa, o espaço, sob o chicote,

trêmulo, prostrado,

e carregasse pedras.

Diabos levem

as peças de sucesso que se escrevem

com cinqüenta montagens e cenários,

o mundo de patifes e de otários

e a guerra cotidiana com seu gado,

afazer de teatro, afã de gente.

Juro que antes que a autora se apresente

eu descubro a cancela e abro o cadeado.


Berenice


Sonhei que a noite se fez luz

e, aberto o céu de par em par,

que os meus cabelos eu depus

sobre um sepulcro inscrito: Amar.

E alguém levou-os sem que eu visse

num grande turbilhão de ar

e foi pregar uma fogueira

no breu da noite - a cabeleira

branca, a brilhar, de Berenice.
A Rosa do Mundo
Quem sonhou que a beleza passa como um sonho?
Por estes lábios vermelhos, com todo o seu magoado orgulho,
tão magoados que nem o prodígio os pode alcançar,
Tróia desvaneceu-se em alta chama fúnebre,
e morreram os filhos de Usna.
Nós passamos e passa o trabalho do mundo:
entre humanas almas que se agitam e quebram
somo as pálidas águas e seu fluxo invernal,
Sob as estrelas que passam, sob a espuma do céu,
vive este solitário rosto.
Inclinai-vos, arcanjos, em vossa incerta morada:
antes de vós, ou de qualquer palpitante coração,
fatigado e gentil alguém esperava junto ao seu trono;
ele fez do mundo um caminho de erva
para os seus errantes pés.

sexta-feira, 20 de novembro de 2009

Solano Trindade e Jorge Amancio



O Dia da Consciência Negra é um dia celebrado no Brasil, dedicado a reflexão sobre a inserção do negro na sociedade brasileira. A data foi escolhida por coincidir com o dia da morte de Zumbi dos Palmares, em 1695. O dia é celebrado desde a década de 1970, embora só tenha ampliado seus eventos nos últimos anos; até então, o movimento negro precisava se contentar com o dia 13 de Maio, Abolição da Escravatura – comemoração que tem sido rejeitada por enfatizar muitas vezes a "generosidade" da Princesa Isabel, ou seja, ser uma celebração da atitude de uma branca.


Abolição número dois (Solano Trindade)


Parem com estes batuques,

Bombos e caracaxás,

Parem com estes ritmos

tristes e sensuais

Deixem que eu ouça

Que eu veja

Que eu sinta

O grito

A cor

E a forma

da minha libertação...


Meu Reino (Jorge Amancio)


Reino nas páginas policiais

Reino nas favelas, nos mocambos

Reino nos cárceres, nos hospícios

Reino no analfabetismo,

nos assassinados


Reino num continente de fome

outrora promissor, místico,

dono dos segredos de Lemúria


Reino nas injustiças do

esquecimento,

na exploração da desinformação


Reino nos guetos, nas favelas

nas esquinas, nos sinais

debaixo das pontes

nos sem tetos

nos de rua


Reino nos abastados

na gravidez precoce

nos sem renda

nos com fome


Reino no reino outorgado

fadado a desaparecer

excluído do poder


Reino que reino

de gente negra

sábado, 14 de novembro de 2009

Pão Moreno - José Edson dos Santos


Pão Moreno

Poesia perdão
Tudo vale a pena
se a alma não é pequena
A vida só é possível
reiventada
Se a vida é curta ou longa
demais para nós
a esperança não murcha
ela não cansa
também como ela
não sucumbe a Crença
Quando o dia está bonito
ainda a gente se distraí
O amor é grande
e cabe nesta janela sobre o mar
mas há a vida que é para ser
intensamente vivida
há o amor que tem que ser vivido
até a última gota
no gelo da indiferença
ocultam-se as paixões
O segredo é não correr
atrás das borboletas...
O perdão vem de qualquer lugar
e por onde passamos
goza, goza da flor da mocidade
Tu não estás comigo em momentos escassos
Abrindo um antigo caderno
foi que descobri
Antigamente eu era eterno
Quando amo
eu devoro
todo o meu coração
Traze-me um pouco de alvura dos luares
O mar é grande e cabe na cama e no colchão do amor
Mas nele é que espelhou o céu
Voltam sonhos nas asas da esperança
Aqui fora está tão frio
e lá dentro está também
Cuidar do jardim para que ele sonhe até você
Se não tocamos o coração das pessoas
Navegar é preciso
Viver não é preciso
Se oculta lava quente
do seio dos vulcões
Vê que nem te peço ilusão
no pensamento meu amor
tu vives nua
O tempo trota a toda ligeireza
não é motivo para não querê-las...
Eu odeio eu adoro numa mesma oração
Poesia perdão
Pão Moreno

Reinvenção edsoneana com colagem poética de: Amanda Avelino, Cora Coralina, Cecília Meireles, Clarice Lispector, Florbela Espanca, Chico Buarque, Mário Quintana, Vinicius de Morais, Gregório de Matos, Manoel Bandeira, Paulo Leminski, Augusto dos Anjos, Carlos Drummond de Andrade, Fernando Pessoa e Tom Jobim.

quarta-feira, 4 de novembro de 2009

Lontra do Contra - José Edson dos Santos



www.agenda.pt/iframe.php?cat=EVENTOS

Abra os Quatros Quartetos
no teto taciturno de T.S.Elliot
um caldo de pilhéria do Oswald

Lustre os cílios de lady raposa
no espartilho de rosa da madrugada
dê uma sacada nos olhos de Morfeu

Acredite nos patins de Afrodite
decolando pelos jardins dos pássaros
mas antes assovie uma cantiga do Quintana

O arquiteto da dor nunca sorri
trama sempre o conflito
do poema mudo num grito

Repercute ainda o mantra onde a noite
remete à memória de águas claras
mágoas e estórias de uma Lontra do Contra

sexta-feira, 16 de outubro de 2009

Poemação 3 - José Edson dos Santos

Poemação 3 - Biblioteca Nacional de Brasília 14/10/2009
José Edson dos Santos acompanhado de Liminha (violão 12 cordas) e Fernando Machado (Clarineta)
Vídeo de Paulo Kauim


terça-feira, 15 de setembro de 2009

Jean BAUDRILLARD


http://images.google.com/

A arte sempre seguiu regras e os padrões estéticos da sociedade em que esteve contextualizada. Podendo também assumir um caráter próprio através das influências dos artistas vanguardistas que a visualizaram. Padrões, estilos e proposições da arte e da cultura midiática sempre foram recomendadas por alguns intelectuais e dândis que desejam impôr seus padrões e estéticas a toda sociedade menos esclarecida. Lendo Moderno e Pós-Moderno, de Teixeira Coelho, pintaram alguns questionamentos: O contemporâneo, aquilo que é do tempo em que vivemos, é moderno? A modernidade toda ela, é contemporânea? Por ser moderna uma coisa é contemporânea? Pode o contemporâneo ser antigo? Para mediar e contrapor essas questões imbricadas em outras considerações, surgiu um fragmento textual de Jean Baudrillard.
“Se fosse caracterizar o estado atual de coisas, eu diria que é o da pós-orgia. A orgia é o momento explosivo da modernidade, o da liberação em todos os domínios. Liberação política, liberação sexual, liberação das forças produtivas, liberação das forças destrutivas, liberação da mulher, da criança, das pulsações inconscientes, liberação da arte. Assunção de todos os modelos de representação e de todos os modelos de anti-representação. Total orgia de real, de racional, de sexual, de crítica e de anticrítica, de crescimento e de crise de crescimento. Percorremos todos os caminhos da produção e da superprodução virtual de objetos, de signos, de mensagens, de ideologias, de prazeres. Hoje, tudo está liberado, o jogo já está feito e encontramo-nos coletivamente diante da pergunta crucial: o que fazer após a orgia?”.
(...)
No fundo, a revolução já aconteceu em toda parte, mas não do modo como se esperava. Em toda a parte, o que foi liberado o foi para passar à pura circulação, para entrar em órbita. Com certo recuo, pode-se dizer que o fim inelutável de toda a liberação é fomentar e alimentar as redes. As coisas liberadas são dadas à comutação incessante e, portando, à indeterminação crescente e ao princípio de incerteza.
(...)
Quando as coisas, os signos, as ações são libertadas de sua idéia, de seu conceito, de sua essência, de seu valor, de sua referência, de sua origem e finalidade, entram então numa auto-reprodução ao infinito. As coisas continuam a funcionar ao passo que a idéia delas já desapareceu há muito. Continuam a funcionar numa indiferença total a seu próprio conteúdo. E o paradoxo é que elas funcionam melhor ainda.
Assim, a idéia de progresso desapareceu, mas o progresso continua. A idéia de riqueza que sustenta a produção desapareceu, mas a produção continua firme. Ao contrário, ela acelera-se à medida que se torna indiferente a suas finalidades de origem. Do aspecto político, pode-se dizer que a idéia desapareceu, mas que o jogo político continua numa indiferença secreta a seu próprio desafio. Da televisão, pode-se dizer que ela se passa numa indiferença total as suas próprias imagens (ela poderia continuar assim até na hipótese do desaparecimento do homem). Haveria em todo o sistema, em todo o indivíduo, a pulsão secreta de livrar-se de sua própria idéia, de sua própria essência, pra conseguir proliferar em todos os sentidos, para extrapolar em todas as direções? Mas as conseqüências dessa dissociação só podem ser fatais. Qualquer coisa que perca a própria idéia é como o homem que perdeu a sombra – cai num delírio em que se perde.
Aqui começa a ordem, ou a desordem metastática, de demultiplicação por contigüidade, de proliferação cancerosa ( que não obedece nem ao código genético do valor). Esmaece então de certa forma em todos os domínios a grande aventura da sexualidade, dos seres sexuados – em proveito do estádio anterior (?) dos seres imortais e assexuados, reproduzindo-se Omo os protozoários, por simples divisão do Mesmo e declinação do código. Os seres tecnológicos atuais, as máquinas, os clones, as próteses, todo eles tendem para esse tipo de reprodução e, lentamente, induzem os mesmo processos nos seres chamados humanos e sexuados. Todas as tentativas atuais, entre as quais a pesquisa biológica de vanguarda, tendem para a elaboração dessa substituição genética, de reprodução seqüencial linear, de clonagem, de partenogênese, de pequenas máquinas celibatárias.
Na época da liberação sexual, a palavra de ordem foi “o máximo de sexualidade com o mínimo de reprodução”. Hoje, o sonho de uma sociedade clônica seria o inverso: o máximo de reprodução com o mínimo possível de sexo. Outrora o corpo foi a metáfora da alma; depois foi a metáfora do sexo; hoje não é mais metáfora de coisa nenhuma. É o lugar da metástase, do encadeamento maquínico de todos os seus processos, de uma programação infinita sem organização simbólica, sem objetivo transcendente, na pura promiscuidade consigo mesmo, que é também a das redes e dos circuitos integrados.” (Jean BAUDRILLARD. Fragmento de A Transparência do Mal: Ensaios sobre os Fenômenos Extremos. Editora Papirus, São Paulo, 1992.)

sexta-feira, 28 de agosto de 2009

Goethe, Schiller e Drummond



A educação estética do homem era um dos grandes ideais que Goethe e Schiller colocaram em prática na poesia, no drama e na filosofia. A auto-educação compreendida pelo olhar humanista, a vocação do homem para a liberdade moral e a dignidade. Estão presente no mito de Fausto, de Goethe, o homem que vende a alma ao diabo em troca de sua imortalidade: "Por que fazes acordo conosco se não podes cumprí-lo? Desejas voar e não te sentes seguro ante a vertigem?"

Nas Cartas de Schiller:"É próprio do homem conjugar o mais alto e o mais baixo em sua natureza, e se sua dignidade repousa na severa distinção entre os dois, a felicidade encontra-se na hábil supressão dessa distinção. A cultura, portanto, que deve levar à concordância de dignidade e felicidade, terá de prover a máxima pureza dos dois princípios em sua mistura mais íntima". "Não haveria uso melhor para a liberdade que me concedeis do que chamar vossa atenção para o palco das belas-artes? Não será extemporânea a busca de um código de leis para o mundo estético, quando o moral tem interesse tão mais próximo, quando o espírito de investigação filosófica é solicitado urgentemente pelas questões do tempo a ocupar-se da maior de todas as obras de arte, a construção de uma verdadeira liberdade política?"

Refletindo sobre a importância e da dimensão desses pensadores, que participaram ativamente de um dos períodos mais fecundos da história da literatura e da filosofia alemã, aproveito a conexão literária e estética do Artevie para situar alguns aforismos de Carlos Drummond de Andrade, que remetem a atualidade aqui/agora e presentes no Avesso das Coisas:
Conhecimento - Mantemos reserva para com o desconhecido, esquecendo que não nos conhecemos a nós mesmos.
Educação - A educação visa melhorar a natureza do homem, e isso nem sempre é aceito pelo interessado.
Engano - Enganamos aos outros, porém não tanto quanto a nós mesmo.
Erro - É prefirível variar de erros a insistir no erro.
Escola - A escola ideal seria aquela em que a criança entrasse num túnel e saísse com diploma de nível superior.
Governo - Nada há a esperar de um governo que reflita os defeitos e vícios dos governados.
História - A história recente ainda não é História, porque a presenciamos, e a antiga também não, porque não a testemunhamos.
Homem - Os homens distinguem-se pelo que fazem, as mulheres, pelo que levam os homens a fazer.
Jornal - Mesmo para o jornalista aposentado, a notícia deve ser sempre nova.
Tarde - Tarde é sentir que as coisas mudam de forma ao desprenderem de nós.
Vida - O sentido da vida é buscar qualquer sentido.

quinta-feira, 20 de agosto de 2009

Os Abismos dos Amantes - Carlos Tavares de Melo



Carlos Tavares de Melo é jornalista, paraibano de João Pessoa, vive em Brasília há 24 anos, onde trabalhou no Correio Brasiliense, Jornal de Brasília e O Globo. Atualmente no Correio Web. O fragmento de Abismo dos Amantes faz parte do livro de contos Fábula da Febre. A Girafa Editora, São Paulo, 2005.
Prólogo
As sombras dançam, torcem-se, excitam-se, amam-se, pulsam vísceras do tempo em pêndulo envernizados pela memória, recitam versos na penumbra das línguas, há luz nas escarpas dessas almas, foscas as sombras; frágeis as mãos modelando odes nos refluxos dos ventres para túmidos espectros; as sombras escutam os ventos; os estribilhos da dor, retorcem-se inflam-se, alvéolos de luz em conchas marinhas; as sombras dançam, evolam-se, amam-se.

PRIMEIRO SOMBRA
Estrelas azuis, vermelhas, brancas transitam pelas galáxias dos versos. Nossos olhos rolam como rosas de chumbo pelas esteiras do mundo.

SEGUNDO SOMBRA
Dá-me uma estrela pelo amor dos lábios, pela língua dos astros. Rastreia-me com o lodo das luas, teu soluço de veludo - até fazer-me alvo do cometa incandescente.

PRIMEIRA SOMBRA
Semeia-me com o sêmen dos sonhos, com o plânctus do pesadelo, todos os dias. Dias de unir nossos verbos às pedras, ecos, unir nossos versos, unir nossos ventres à luz amalgamada da ficção que somos, do poeta que fomos.

SEGUNDA SOMBRA
Fulgores distantes e oriundos do nada ofuscam o que não queremos ser. Queremos luz, nada a não ser luzir, pulsar no coração do mundo e nadar nas transversais deste abismo. Somos apenas artérias, bulbos de flores raras em convulsão histriônica na mecânica da vida. Obstáculo do tempo que a clepsidra escoa, pequenas gotas do sereno amargo de ser. Dá-me teu fel.

PRIMEIRA SOMBRA
Quantas vejo não olho para o espelho e nada vejo? Reflexos pálidos do próprio espelho? Rugas precoces que o tempo imprime no rio da existência? Qual ferrugem que fulge no corpo arremessado contra as barreiras de luz?

SEGUNDA SOMBRA
Não vejo também no espelho. Tampouco no rosto que mira o contorno que não brilha, brilha, jamais reluz, caminha a esmo nas bordas de um prescipício.

PRIMEIRA SOMRA
Sinto medo. Estou com medo. Abrace-me.

SEGUNDA SOMBRA
De que? Sim, eu tenho medo, também. Mas sinto-me protegida na opacidade do espelho. Não quero ver-me. Quero sentir. Sentir o sabor e não existir porque nada assim é tátil, apesar do espelho em que nos refletimos.

PRIMEIRA SOMBRA
Mas somos sombras. As sombras do outro que jamais seremos revelam-se no curso das águas em que miramos os vincos que riscam nossas máscaras debruçadas sobre garfos e facas, sobre as ancas do amanhecer. Trôpegos entes engalfinhando-se em dores até as gotas de um seio ou nádega numa manjedoura de êxtase.

SEGUNDA SOMBRA
Sim, o que resta?

PRIMEIRA SOMBRA
Numa bandeira de sonhos misturaremos as outras sombras, as sombras das nossas hóstias, o néctar biliar das constelações que despencam no lado abissal dessa história, nossa bela e dúplice saga.

SEGUNDA SOMBRA

Nas margens abissais do teu corpo, se é que ele existe, seu corpo com esse ar de eternidade provisória, será apenas o meu caminho para que sua paina de honra e paixão seja cremada em frigideiras lunares. E um dia, sobre o prato amarelado do sol a se pôr, milhares de aves irão te roer, aves que fomos voejando em frêmitos, varando céus, infernos, céus, infernos, céus...

quinta-feira, 30 de julho de 2009

sexta-feira, 17 de julho de 2009

Grupo Corpo -

Trecho do espetáculo "O Corpo" do Grupo Corpo, trilha sonora de Arnaldo Antunes, música "Momento III", com Mônica Salmaso nos vocais.


O Corpo como Objeto de Arte: Henri-Pierre Jeudy


Anton Koling http://www.bbc.co.uk/portuguese/especial/817_pelados/page5.shtml

“É preciso tomar o corpo à letra” – Serge Leclaire

"Há na arte do século XX uma vontade manifesta de romper com a tirania do espelho. Mas esta não se traduz por uma cristalização crescente dos modelos de representação? A violência crítica que opera na criação artística terminou por ser produtora de estereótipos culturais. Ela não pode mais se enganar quanto à sua capacidade de subverter os clichês, pois os inventa bem mais poderosos por suas pretensões teóricas. Essa “sucessão” de estereótipos na vida cotidiana, prossegue de uma maneira contagiosa, impondo ao mesmo tempo uma “ordem estética” e sua confusão. Pela dinâmica de sua repetição e por sua colisão, as imagens corporais se renovam desde sua estereotipia e a reversibilidade constante do sentido das imagens corporais confere uma incerteza semântica que permite sempre crer em sua capacidade de ser inalcançáveis. Designado como origem das origens, considerando como aquilo a partir do qual o Eu se constitui, o corpo coloca sempre a mesma questão: como ela pode ser uma presença que tem significado com sua ausência? É tido por real, é tomado por uma ilusão, é o texto daquele que não pára de se escrever, apagando-se... Mas é justamente por ser aquilo que acontece e aquilo que se oculta, o que faz sentido e o que destrói o sentido – a coleção desse tipo de estereótipos, ela própria é fascinante – que ele é considerado o próprio fundamento de toda estética. Se a referência ao “corpo como objeto de arte” é um grande lugar-comum, será que isso não se dá na medida em que ela constitui em torno de si o grande jogo das ilusões estéticas? O que se chama de “estetismo”remete sempre ao corpo às maneiras de ele aparecer, de se vestir, de se movimentar, de dispor os objetos em um espaço, como se o corpo fosse o que estabelecesse a estética das “relações com o mundo”. Quando se fala de “artes de fazer”, a expressão designa práticas usuais, mas a referência à “arte” lhe confere o valor suplementar de uma estética das maneiras de fazer. Somente na expressão “arte de fazer” o corpo em si é percebido como capaz de produzir a referência à arte. Sem ele, a ideia de estética que acompanha as maneiras de fazer não teria fundamento. Em outras palavras, o corpo é tomado, a priori, por um “objeto de arte” vivo. Essa concepção comum do estetismo no cotidiano não ocorre sem ligação com o fato de se considerar o corpo como produtor de sinais. Ela supõe, a priori, que o corpo não pára de assinalar-se pelo estilo de emissão de sinais, quer dizer, seguindo uma finalidade estética colocada desde o começo de sua vida, desde a primeira infância".
(Fragmento extraído do livro O Corpo como Objeto de Arte, de Henri-Pierre Jeudy. Editora Estação Liberdade, São Paulo, 2002.)

sexta-feira, 29 de maio de 2009

Flor de Maio - José Edson dos Santos





Flor de Maio (José Edson dos Santos)

Flor da quintessência

até a borboleta

voa serena no teu ser

Maio (José Edson dos Santos)

Pluriflora flor alvorada

na manhã operária

opiária de nenúfares e líquens

molhada de tristeza agrária

Dores amores em maio

abelhas cerzindo o mel

na clara e alva tarde

diz o trabalho ardente

arde desejo e cantatas

árias de pássaros

avisando o poente

e a travessia da ponte

de todas possibilidades

Poesia em tempo tracajá (José Edson dos Santos)

Meu maio de Maiakóvski

bate na lembrança

do tempo tracajá

Havia poesia de soslaio

em minha lombra

de mucura sonsa

cavucando palavras

na loucura escura

do galinheiro

altaneiro

sábado, 9 de maio de 2009

Mamãe - Mother



Quem já se sensibilizou com o humanismo de Máximo Gorki presente no romance A Mãe, certamente relaciona a coragem e a ternura de outras mães, como as eternizadas por Bertold Brecht, Torquato Neto, entre outros, como o bardo deste blog.

Mãe Coragem (Torquato Neto)

Mamãe mamãe não chore
a vida é ssim mesmo
eu fui embora
Mamãe mamãe não chore
eu nunca mais vou voltar por aí
Mamãe mamãe não chore
a vida é assim mesmo
é isso aqui

Mamãe mamãe não chore
pegue uns panos para lavar
leia um romance
veja as contas do mercado
pague as prestações
- Ser mãe
é desdobrar fibra por fibra
os corações dos filhos
seja feliz
seja feliz

Mamãe mamãe não chore
eu quero eu posso eu fiz eu quis
Mamãe seja feliz
Mamãe mamãe não chore
não chore nunca mais não adianta
eu tenho um beijo preso na garganta
eu tenho um jeito de quem não se espanta
(braços de ouro vale dez milhões)
Eu tenho corações fora do peito
Mamãe não chore, não tem jeito
Pegue uns panos pra lavar leia um romance
Leia Alzira, a morta virgem
O grande industrial

Eu por aqui vou indo muito bem
de vez em quando brinco o carnaval
e vou vivendo assim: felicidade
na cidade que eu plantei pra mim
e que não tem mais fim
não tem mais fim
não tem mais fim
(Gravado no disco Tropicália ou Panis et circensis (1968), por Gal Costa)

Dia Santo de Chorar na Chuva
José Edson dos Santos

Sentimento ameríndio marajoara
trouxe dor de garganta e quebranto

A certeira injeção no glúteo panema
espanta gralha que entoa loas
ao lema da curandeira esmaecida

O sol soletra língua de sal na orelha
lambe insensatez na tarde covarde
beber crepúsculo de anilina em mim

Lugar no mapa da rua que não tem mais nada
traz a mão gelada da mãe morta no rosto
conforta a solidão no vento do fim de setembro

Lembro descer as escadas da quatrocentos e seis norte
tecendo considerações de toda sorte às pequenas esperanças

E dona Antonia América não esperou o dia das crianças
nem viu descobrimento no dia santo de chorar na chuva.

sexta-feira, 1 de maio de 2009

Basquiat - Heroin - Velvet Underground



O jovem pintor afro-americano era filho de Gerard Jean-Baptiste Basquiat, ex-ministro do interior do Haiti que se tornou proprietário de grande escritório de contabilidade ao imigrar para os Estados Unidos e de Mathilde Andrada, de origem portorriquenha. Era o primeiro, dos três filhos do casal, de classe média alta. O menino Jean-Michel, como toda criança, aos três anos já desenhava caricaturas e reproduzia personagens dos desenhos animados da televisão. Mas seu gosto pela arte se tornou coisa séria e um dos seus programas favoritas era, já aos seis anos, freqüentar o MOMA, Museu de Arte Moderna, de onde tinha carteira de sócio-mirim.Uma tragédia o colocou ainda mais próximo da arte, quando aos sete anos foi atropelado e no acidente teve o baço dilacerado. Foi submetido a uma cirurgia e ficou uma temporada no hospital. Sua mãe, então lhe deu de presente um livro de anatomia, Gray's Anatomy, que teria grande influência em seu futuro de artista, revelado pelas pinturas de corpos humanos e detalhes de anatomia e até no nome da banda musical de curta duração que fundou em 1979: Gray's, que assumia as influências dos ventos latinos, vindos do Caribe e Porto Rico, que sopravam sobre a cena artística de Nova York, como o hip hop, o break e o rap.Com o divórcio dos pais, muda com o pai e as irmãs para Porto Rico e lá vivem de 1974 a 1976. Basquiat toma contato com suas origens latinas. Aos 17 anos está de volta a Nova York e não consegue se adaptar às escolas convencionais. Passa a freqüentar a Edward R. Murrow High School mas a abandona praticamente no final do curso, sai de casa, vai morar com amigos, e passa a pintar camisetas que ele mesmo vende nas ruas. Com o artista gráfico Al Diaz cria a SAMO (same old shit - mesma velha merda), marca e assinatura que usava para espalhar as suas obras pelas paredes da cidade. Passa a viver nas ruas e a grafitar paredes, portas de casas e metrôs de Nova York. Aos poucos torna-se uma celebridade, começa a aparecer num programa da TV a cabo e é convidado a participar do filme Downtown 81, investindo o dinheiro que ganhou em materiais de pintura. O filme relata um dia na vida do jovem artista à procura da sobrevivência e mistura hip hop, new wave e graffiti, manifestações artísticas típicas do início da década de 80.
Com a fama adquirida passa a ter dinheiro, torna-se artista internacional de vanguarda e amigo de pessoas influentes, conhecendo e convivendo com Andy Warhol, com quem compartilhou forte amizade. Warhol proporcionou a ele lugar para morar, materiais para trabalhar, além de ajudar a divulgar o seu trabalho e patrocinar algumas excentricidades, típicas de endinheirados. Nessa época Basquiat abandonou a arte de rua e o graffiti e decreta nas paredes: "SAMO morreu". Começa a pintar telas que passam a ser adquiridas e comercializadas por marchands de Zurique, Nova York, Tóquio e Los Angeles, ávidos por novidades. De artista que vivia precariamente passa a ser um artista consumido e recebido nos salões mais chiques e exclusivos de Nova York.A arte de Basquiat, chamada de "primitivismo intelectualizado", uma tendência neo-expressionista, retrata personagens esqueléticos, rostos apavorados, rostos mascarados, carros, edifícios, policiais, ícones negros da música e do boxe, cenas da vida urbana, além de colagens, junto a pinceladas nervosas, rabiscos, escritas indecifráveis, sempre em cores fortes e em telas grandes. Quase sempre o elemento negro está retratado, em meio ao caos. Há também uma dessacralização de ícones da história da arte, como a sua Mona Lisa (acrílico e óleo sobre tela) que é uma figura monstruosa riscada no suporte.O período mais criativo da curta vida e da carreira meteórica de Basquiat situa-se entre 1982-1985, e coincide com a amizade com Warhol, época em que faz colagens e quadros com mensagens escritas, que lembram o graffiti do início e que remetem às suas raízes africanas. É também o período em que começa a participar de grandes exposições. Em 1982, com a mostra Anatomy, foi o mais jovem artista da famosa exposição Dokumenta, de Kessel. E, em 1983, o mais jovem artista da Bienal do Whitney Museum, de Nova York. Daí em diante, participa de centenas de exposições e passa a ter trabalhos espalhados por vários dos museus mais importantes do mundo, como: Osaka City Museum of Modern Art, Japão; Chicago Art Institute, Illinois, Estados Unidos; Everson Museum of Art, Syracuse, Nova York, Estados Unidos; Solomon R. Guggenheim Museum, Nova York, Estados Unidos; Kestner-Gesellschaft, Hannover, Alemanha; Museum Boymans-van Beuningen, Roterdã, Holanda; Museum of Contemporary Art, Chicago, Estados Unidos; Museum of Contemporary Art, Los Angeles, Estados Unidos; Museum of Modern Art, Nova York, Estados Unidos; Museum of Fine Arts, Montreal, Canadá; Whitney Museum of American Art, Nova York, Estados Unidos.A morte do amigo e protetor Andy Warhol, em 1987, deixa Basquiat abalado e debilitado e isso se reflete na sua criação. Os críticos, sempre muito exigentes, já não o tratam com unanimidade e Basquiat responde a essas cobranças, associando-a ao racismo arraigado da sociedade americana. Solitário, exagera no consumo de drogas e em agosto de 1988 acontece a trágica morte por overdose de heroína, que põe fim à carreira brilhante do primeiro afro-americano a ter acesso à fechada cena das artes plásticas novaiorquinas e, a partir daí, presença nas mais importantes mostras do mundo, entre elas, uma sala especial, em 1996, na 23ª Bienal de São Paulo, e em 1998, uma retrospectiva na Pinacoteca do Estado de São Paulo.
Conheça mais Basquiat (1996), filme inspirado na vida do artista, dirigido por Julian Schnabel, com Jeffrey Wright como Basquiat e David Bowie como Andy Wahrol. (AAR)

sexta-feira, 17 de abril de 2009

Matthew Barney - Cremaster 5 - Proscenium Arch



Matthew Barney, artista multimídia considerado como um dos mais destacados dentre os artistas de sua geração, conhecido por seus trabalhos intricados, esteticamente impactante, de referências múltiplas e híbridas, vide sua série Cremaster. Matthew Barney criou uma recente série de filmes de arte que oferece algumas das imagens mais impressionantes vistas no cinema hoje, frequentemente com ele próprio no papel principal. O recente ciclo de filmes “Cremaster” e agora “Drawing Restraint 9,”em que ele também é ator junto com a sua mulher, a cantora Bjôrk, que assina a trilha, são filmes que existem como parte de um trabalho artístico maior e que abrangem a escultura, a performance e o vídeo em uma amplitude de perspectivas, experimentações e hibridismos que representa a diversidade de linguagens e suportes, mas também as principais inquietações presentes nas questões que marcam a obra do artista.

sexta-feira, 3 de abril de 2009

Guillaume Apollinaire


Amadeo de Souza, Saunt du Lapin, 1911
http://casoaul.wordpress.com/

O Cavalo

Os meus sonhos formais serão teu cavaleiro,

meu destino luzindo teu belo cocheiro

por rédeas terás tensos levando à agonia,

meus versos, o modelo de toda poesia.


A Serpente

Sei que te obstinam as beldades

e que nelas com acuidade

exerceu tua crueldade!

Cleópatra, Eurídice, Eva,

sei de outras três em tua leva.


O Gato

Desejo manter em meu lar:

uma companheira a pensar,

andando entre livros um gato,

bons amigos sempre a passar

sem os quais o viver é ingrato.


A Lebre

Não sejas lascivo e assustado

como a lebre e o apaixonado,

faça com que o célebro seja

a fêmea que vários enseja.


O Rato

Belos dias, rato das horas,

roído assim faço-me idas.

Deus! foram-me vinte e oito auroras,

penso eu muito mal vividas.


A Largata

Só o trabalho é que enriquece.

Pobre poeta, à picareta!

A largata sem cessar tece

pra transformar-se em borboleta.


As Sereias

Saberei eu porque cantam entediadas

longas ladainhas durante as madrugadas?

Mas, sou como tu, onde há vozes maquinando

meus cantantes barcos são anos navegando.


Orfeu

A fatal fêmea do alcião,
o amor, as aladas Sereias,
sabem uma mortal canção
inumanas e cheias de teias.
Que não te encantem tais ruídos,
só anjos devem ser ouvidos.

( Poemas do livro O Bestiário ou Cortejo de Orfeu, de Guillaume Apollinaire. Tradução de Álvaro Faleiros. Editora Iluminuras. SP, 1997 )

segunda-feira, 23 de março de 2009

Engenho D'Alma

O EVANGELHO SEGUNDO ZÉ LIMEIRA, ou A PAIXÃO DE ZEBEDEU

http://www.imagens.google.com
Sara casou com Abraão
num dia de santo rei.
Três dia após o casório,
Gandhi recebeu um e-mêi,
onde Agar comunicava
que a patroa emprenhada
deu a luz naquele mês.
Adicionar imagem
Três reis magos lá chegaram
montando uma bicicleta
e entoando a marselhesa
sua canção predileta.
Quando avistaram Abraão
entregaram a saudação
do Saci, príncipe de Creta.

O rei D. Pedro levou
pra criança um banzai,
pra Sara um espartilho
e de presente pro pai
uma maquete da bastilha
que ele comprou em Brasília
na feira do Paraguai.

A criança era Jesus,
virtuoso e ativista.
Aos treze fugiu pra Cuba
pra se tornar comunista.
Transformava gato e boi,
e vinte anos depois
foi fichado na polícia.

Mas fugiu para o Brasil
no lombo quente d'um burro,
disfarçado de judeu,
cabelo grande e barbudo.
Quando apeou no sertão
botou pra correr o cão
dos arredó de Canudos.

Graduou-se à distância
em Oratória Funesta.
Perseguindo a vocação
fez um curso pra Profeta,
botou um roupão de 'nhagem
sem jóia, sem maquiagem,
sem riqueza e sem cueca.

Fez fama nas redondezas
pelas coisas que falava
dentro da mente de todos
seu perfil se agigantava.
E em sua prosa segura
o povo viu a figura
do Messias que esperava.

No sermão em Chorrochó,
mais de mil gente se aninha
ao redor do santo Cristo,
entoando ladainha,
pra ouvir que a terra dura
há de virar rapadura
e o pó virar farinha.

Falava ao povo pobre
que o mundo se escafedia,
que sobre o Cocorobó
a lua despencaria,
e a cabeça do pagão
entre as meada dum pão
o diabo comeria.

Um cangaceiro chorava
Abraçado ao seu fuzil
numa emoção tão grande
que chega a fome fugiu.
Nesse dia um aleijado
levantou emocionado,
mas o coitado caiu.

E a fama de milagreiro
Pelo sertão se espalhou.
Diziam que em plena seca
no céu azul trovejou,
e que apareceu nos galho
das árvores um orvalho
quando o santo espirrou.

Alguns levavam nas costas
uma grande cruz de enfeite,
outros cingiam na testa
um pouquinho de azeite.
Nesses dias de emoção
foi tanta fé no sertão
que choveu café-com-leite.

[Fragmentos extraídos do cordel inédito O Evangelho Segundo Zé Limeira, de Salatiel Ribeiro]

quarta-feira, 11 de março de 2009

Todo Dia é Dia Dela (Mulheres da Vida) - José Edson dos Santos


Angelina Jolie de Vernon
http://www.worth1000.com/cache/gallery/contestcache.asp?contest_id=3253&display=photoshop

Toca “Tentando Entender as Mulheres” do Mundo Livre s/a. Duas atrizes aparecem de lados opostos, exercitando ações básicas do movimento. Ficam em frente uma da outra, criando jogos do espelho e da sombra, entremeadas por fotografias expressivas que relembrem obras de arte com figuras femininas. A música cessa.

Atriz 1 – O homem deveria estimular na mulher sua lua sonhadora, as estrelas delirantes, onde a luz do sol suaviza a sombra das grutas. As flores selvagens das moitas, as rosas orgulhosas e radioativas são jardins celestiais das mulheres. Ninfas, dríades, sereias, ondinas, fadas, iaras, habitam os campos, os bosques, os lagos, os rios. Não há nada mais arraigado no coração do homem naquilo que esse imaginário possibilita.

Atriz 2 – Para o marinheiro o mar é uma mulher perigosa e pérfida, difícil de conquistar mas que ele ama através de seu esforço de domá-la. Orgulhosa, rebelde, virginal e má, a montanha é uma mulher para o alpinista que a quer violar ainda que correndo perigo de morte. Afirma-se muitas vezes, que essas comparações são manifestações de uma sublimação sexual.

Atriz 1 – Elas exprimem antes uma afinidade tão original quanto a própria sexualidade entre a mulher e os elementos.O homem espera da posse da mulher mais do que a simples satisfação de um instinto; ela é o objetivo privilegiado através do qual ele domina a Natureza. Pode acontecer que outros objetos desempenhem esse papel. É, por vezes, no corpo das odaliscas que o homem procura a areia das praias, o odor das madressilvas.
Atriz 2 – No mar, na montanha, o Outro pode encarnar-se quase tão perfeitamente quanto na mulher: é que opõem ao homem a mesma resistência passiva e imprevista que lhe permite realizar-se; são uma recusa a ser vencida, uma presa a ser possuída. Se o mar e a montanha são mulheres, é porque a mulher é também para o amante o mar e a montanha.

Atriz 1 – Assim sendo, mediadora entre o homem e o mundo. É preciso que ela encarne o maravilhoso desabrochar da vida, e ao mesmo tempo que diminuísse os perturbadores mistérios dessa existência.

Atriz 2 – Pedir-lhe formosura e plenitude, pois apertando nos braços uma coisa viva só pode encantar-se com ela esquecendo que toda vida é habitada pela morte.

Coro das Atrizes – Quem compreendeu o princípio da dialética da natureza humana foi a feminista Simone de Beauvoir no seu livro Segundo Sexo, tão lembrando? É poraí...

( Volta a música. As atrizes voltam a se fitar, como se desafiando o espelho ilusório e vão saindo de cena em câmara lenta. Toca Folhetim, com Gal Costa quando a luz invade o espaço cênico, percorrendo os ambientes onde a Prostituta, a Dona de Casa, a Perua Emergente, a Empresária, a Beata e a Porra-Louca se encontram para desenvolver seus monólogos )

PROSTITUTA – Todos os homens são volúveis e canalhas. Sempre compram o desejo pagando no varejo para depois cuspir no prato que comeram. Falam e se vangloriam sem nunca ter entendido que a mulher da vida, a puta, é forçada a simular um orgasmo para que ele como macho se sinta plenamente satisfeito. Foram as damas da noite que criaram a mais antiga da profissão que a humanidade conhece: a prostituição, uma instituição bancada pelos homens e pela hipocrisia da sociedade de consumo depravado. Humano, demasiadamente humano. Não vivemos pra dançar mas dançamos a vida na extensão dos seus pecados capitais. (cantando sensualmente). ´´Se acaso me quiseres/ sou dessas mulheres/ que só dizem sim/ Por uma coisa à toa/ como noitada boa/ um cinema/ um botequim/ E se tiveres renda/ aceito uma prenda/ qualquer coisa assim/ como uma pedra falsa/ um sonho de valsa/ ou um corte de cetim/ e te farei as vontades/ direi meias verdades/ sempre a meia luz/ e te farei vaidoso, supor/ que és maior/ E que me possuis/ mas na manhã seguinte/ não conta até vinte/ te afasta de mim/ pois já não vales nada/ és pagina virada/ descarta do meu folhetim``. Quem nunca ouviu falar de Maria Madalena que atire a primeira pedra no telhado da história. Quer saber de uma coisa, meu benzinho? Puta é a vagaba de tua mãe!

DONA DE CASA – Assim que começamos a viver junto, ele queria me proteger, prover minhas necessidades. Ah, sim, ele me levava a sério, admitia meu ponto de vista, trazia presentes e pretendia me sustentar. Mas depois que provou da fruta, de usar e abusar do bem bom, mudou radicalmente de postura: queria a sua casa sempre arrumada, os filhos nutridos indo à escola, o almoço e o jantar na hora certa, tudo como recomenda o guia de boas maneiras. Com esse subterfúgio, instalou a opressão em definitivo. Veio com aquela conversa machista de que era ele quem ganhava dinheiro, que se matava de tanto trabalhar para mantermos nosso padrão de vida. Ele dizia isso com tanta convicção mas logo depois saía para encher a cara pelos bares da vida e chegar de madrugada, xingando todo mundo, querendo fazer sexo selvagem com a esposa. Ele não sabia o respeito que eu lhe tinha. Os compromissos, os filhos, todas as coisas no seu devido lugar. Ele denominava isso de perfeita harmonia do lar. Lar doce lar. Que coisa mais idiota! Depois que aconteceram os desenlaces, veio a falta de respeito, de consideração. Só que aí, radicalizei de vez: a casa virou de pernas pro ar. Os filhos foram criados para o mundo. Eles que aprendam a caminhar com as próprias pernas. Depois desse folhetim urbano, pano de prato pra mim, é a cueca do meu amante. Quando ele descobriu que eu tinha mudado já foi tarde. Eu olhei e falei bem na cara dele: - A vida dá uma volta na gente, seu Zé Mané !

PERUA EMERGENTE – Hello, beautiful people, como estamos? Eu ontem fui em uma reunião social na casa de campo de Cidinha Pompideau. Coisa de gente chique. Toda a sociedade emergente estava ali reunida, desfilando os seus modelitos "fashion". A vaidosa da Gabi Proença usava um vestido verde-musgo de cetim francês, arrasou. Já a antipática da Marilu Botelho apareceu carregando no seu colo um poodle com tintura lilás e coleira de brilhante. Deu o Ibope que ela tanto precisava. Tem muito tempo que eu venho implorando ao meu marido Alfredo para que na próxima vez que formos à Bariloche, que ele me compre um casaco de pele de leopardo. Quero mostrar no meu condomínio que também tenho estilo. Que tenho a minha marca. Mas sei que existe uns maldosos que surgem da sombra para ficarem fofocando de como subi na vida: - A vendedora de cachorro-quente e quentinha quem diria, soube aplicar o seu capital e se deu bem! Hoje, o que eu quero dizer a eles, é que Ana Raimunda está preparando a sua entrada triunfal no mundo do "glamour".Tenho tido aula de canto e impostação duas vezes por semana, faço teatro, dança, capoeira e natação. E ainda vou ser a produtora do meu próprio espetáculo: "O Umbigo de Veludo da Vedete". Já imaginou o letreiro piscando com luzes neon o meu nome cintilante? Podem aguardar, vai ser o maior sucesso. Chamarei a mídia escrita e televisionada pra fazer a cobertura avant première. Essa society emergente que pensa que é granfina vai ficar roendo as unhas de inveja. Quem viver, verá meu brilho de purpurina no ar. Por acaso alguém aí tem uma novidade melhor do que essa? (Toca o celular) Alô. Marquinhos Beauty? Marquei sim para o final da tarde. Preciso mudar novamente de visual. Questão de estilo. Em sociedade quem não aparece, não acontece, meu bem...

EMPRESÁRIA – Ah, esses homens, quanta decepção! Depois que me desquitei do Oscar, só tenho ocupado a minha cabeça com os empreendimentos de minhas empresas. O Oscar, frouxo do jeito que era, nunca soube fechar um negócio de ocasião, sempre dependeu de mim quando era para tomar as grandes decisões. Decepcionei-me muito com ele. Descobri que ele não era nada daquilo que eu idealizava e com isso, o falso amor acabou. Ainda bem que não tivemos nenhum filho. Quando ele entendeu que tudo tinha acabando, sentiu menos assim. Hoje, eu me jogo de corpo e alma naquilo que faço. Prefiro abrir um grande empreendimento do que ter uns homens idiotas me bajulando. Tenho feito aplicações na bolsa de Hong-Kong, comprado imóveis no Caribe e alguns investimentos nas ilhas Caiman. Quando me sinto sozinha, na secura, abro o jornal na seção de acompanhantes e ligo para um desses garotões sarados, que fazem programa mas deixam meu corpo todo ardente de paixão. Não quero ser confundida com essas peruas que se dizem senhoras da alta sociedade mas que não passam de putas na cama, umas vagabundas! Tenho vontade própria. Sei o que quero. Deve ser horrível viver de pés e mãos atadas, satisfazendo os caprichos do macho. Servir a ele, sempre pronta para ser possuída , estuprada ou espancada, conforme o humor que ele entre no lar. Lar, doce lar. Existe mito mais idiota. (Olha o relógio e apanha o jornal sobre a mesa). Agora vou pedir licença, pois tenho que saber as notícias do mundo financeiro, ver como andam as minhas aplicações. Se para um bom entendedor, meia palavra basta, prefiro um orgasmo neoliberal que o gozo interesseiro de um amante medíocre, além do mais, todo mundo sabe que money, money, é muito bom.

BEATA – A humanidade caminha para a sua miséria espiritual. As pessoas só pensam em bens materiais, em ostentação, prazer e vaidade. Há muito tempo caíram na depravação e na promiscuidade, não ligando para a dor do próximo. Não são solidárias nem mesmo com suas famílias. A minha formação religiosa não permite que eu caia em tentação. Tenho louvado a Jesus Cristo para que ele se compadeça da ignorância, da pobreza de espírito que mora no coração alheio . A penitência e o jejum me dão a certeza de que cumpro o meu papel de noiva do Senhor neste mudo perdido de orgias e pecados. Na próxima semana farei meu retiro espiritual em uma igreja da periferia onde o padre Franco faz o sermão da montanha. Oh, céus! Como posso pensar besteira em uma hora dessa ? Mas o Padre Franco é o próprio pecado em pessoa! Vou rezar 10 Padre Nosso e 10 Ave Maria para esquecer essa imagem de luxúria que habita a minha mente. Cruz credo, cabeça vazia, oficina do diabo ( Começa orar com obsessão).

PORRA-LOUCA (mastigando chiclete) – O carinha chegou pra mim de repente e me disse sem frescura : E aí, mina, vamu entrar numas? Eu nem acreditei em uma cena daquela e fechei a cara, tipo não vem que não tem, véi. Tá pensando que sou o quê? Já dormiu comigo alguma vez para chegar com toda essa intimidade, garotão? Tenho a cara de quenga de bandido? Tá me tirando? Quer levar um chute no traseiro? Aí o carinha deu uns pulinhos de lado e insistiu: Fique fria mina, eu só quero te apresentar uma ponta, tá ligada? Eu fiquei toda cabulosa, olhei a figura com mais simpatia e respondi de supetão : Porquê tu não falou logo da ponta, meu chegado? Se é para apresentar uma ponta, eu tô sempre pronta... Precisava ver os papos do cara. O cara era totalmente revoltado com o sistema. Podia sê até um desses políticos picaretas que vivem poraí, tamanha era a capacidade de sacação do doido. Como o tempo passa, o tempo voa, quando eu dei por mim já tinha entrado numas da azaração do carinha. Tinha dado, deitado com ele com prazer. O lero lero do doido deu certo. Hoje vivemos numas de amantes porras-loucas para ninguém ficar com o disse-me-disse na esquina. Meu ouvido não é pinico pra ficar ouvindo prosa errada sobre meu gatinho. É barra meu...love de pica quando bate fica, tá ligado? (Faz uma bola do chiclete, espoca e vai embora)

Tingele Tangale Bob

terça-feira, 3 de março de 2009

Amar-te ou Marte, Pernilongo - Zemagá


Eros & Psiquê - Antonio Canova
http://www.images.google.com/

Zemagá, mineirinho, contador de causos e pilhérias afrodisíacas, repassa semanalmente piadas on-line aos amigos. Especialista em Mídias na Educação e aguardente de engenho, mora em Vicente Pires, renovando as lorotas como seu passatempo preferido.
-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.

O marido, ao chegar em casa no final da noite diz à mulher que já estava deitada :

- Querida, eu quero amá-la.

A mulher, que estava dormindo, com a voz embolada, responde:

- A mala... ah não sei onde está,não! Use a mochila que está no maleiro do quarto de visitas.

- Não é isso, querida. Hoje vou amar-te.

- Por mim, você pode ir até Júpiter, até Saturno e até à p.q.p, desde que me deixe dormir em paz!...


-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-

Em um momento de grande descontração, um poeta modernista escreveu:


'Satânico é meu pensamento a teu respeito,

e ardente é o meu desejo de apertar-te em minha mão,

numa sede de vingança incontestável

pelo que me fizeste ontem.

A noite era quente e calma

e eu estava em minha cama,

quando sorrateiramente te aproximaste.

Encostaste o teu corpo

sem roupa no meu corpo nu,

sem o mínimo pudor!

Percebendo minha aparente indiferença,

aconchegaste-te a mim

e mordeste-me sem escrúpulos

até nos mais íntimos lugares.

Eu adormeci.

Hoje quando acordei,

procurei-te numa ânsia ardente,

mas em vão.

Deixaste em meu corpo e no lençol,

provas irrefutáveis do que entre nós ocorreu

durante a noite.

Esta noite recolho-me mais cedo,

para na mesma cama te esperar.

Quando chegares,

quero te agarrar com avidez e força.

Quero te apertar

com todas as forças de minhas mãos.

Só descansarei quando ver

sair o sangue quente do seu corpo.

Só assim, livrar-me-ei de ti,

pernilongo, Filho da Puta!'

domingo, 1 de março de 2009

Pós-Modernismo - Fredric Jameson


The Escher Art Gallery

Os últimos anos têm sido marcados por um milenarismo invertido segundo o qual os prognósticos, catastróficos ou redencionistas, a respeito do futuro foram substituídos por decretos sobre o fim disto ou daquilo (o fim da ideologia, da arte, ou das classes sociais; a “crise” do leninismo, da socialdemocracia, ou do Estado do bem-estar etc.); em conjunto, é possível que tudo isso configure o que se domina, cada vez mais freqüentemente, pós-modernismo. O argumento em favor de sua existência apóia-se na hipótese de uma quebra radical, ou coupure, cujas origens geralmente remontam ao fim dos anos 50 ou começo dos anos 60.
Como sugere a própria palavra, essa ruptura é muito freqüentemente relacionada com o atenuamento ou extinção (ou repúdio ideológico ou estético) do centenário movimento moderno. Por essa ótica, o expressionismo abstrato em pintura, o existencialismo em filosofia, as formas derradeiras da representação no romance, os filmes dos grandes auteurs ou a escola modernista na poesia (como institucionalizada e canonizada na obra de Wallace Stevens) são agora vistos como extraordinária floração final do impulso do alto modernismo que se desgasta e se exaure com essas obras. Assim, a enumeração do que vem depois se torna, de imediato, empírica, caótica e heterogênea: Andy Warhol e a pop art, mas também o fotorrealismo e, para além deste, o “novo expressionismo”; o momento, na música de John Cage, mas também a síntese dos estlos clássico e “popular” que se vê em compositores como Phil Glass e Terry Riley e, também, o punk rock e a new wave (os Beatles e os Stones funcionando como o momento do alto modernismo nessa tradição mais recente e de evolução mais rápida); no cinema, Godard, pós-Godard, o cinema experimental e o vídeo, mas também um novo tipo de cinema comercial (a que voltarei mais adiante);Burroughs, Pynchon ou Ishmael Reed, de um lado, e o nouveau roman francês e sua sucessão, do outro, ao lado de um novo, e alarmante, tipo de crítica literária baseada em uma nova estética da textualidade ou da écriture... A lista poderia se estender ao infinito; mas será que isso implica uma mudança ou ruptura mais fundamental do que as mudanças periódicas de estilo, ou de moda, determinadas pelo velho imperativo de mudanças estilísticas do alto do modernismo?
Mas é no âmbito da arquitetura que as modificações da produção estética são mais dramaticamente evidentes e seus problemas teóricos têm sido mais consistentemente abordados e articulados; de fato, foi dos debates sobre arquitetura que minha concepção do pós-modernismo – como esboçada nas páginas seguintes – começou a emergir. De modo mais decisivo do que nas outras artes ou na mídia, na arquitetura as posições pós-modernistas são inseparáveis de uma crítica implacável ao alto modernismo arquitetônico, a Frank Lloyd Wright e ao assim chamado estilo internacional (Le Corbusier, Mies etc.) Aí, a crítica e a análise formal (da transformação do edifício em escultura virtual, típica do alto modernismo, ou em um “pato” monumental, segundo Robert Venturi) incluem uma reavaliação do urbanismo e da instituição estética. Nessa ótica, atribui-se ao alto modernismo a responsabilidade pela destruição da teia urbana da cidade tradicional e de sua antiga cultura da vizinhança (por meio da disjunção radical dês eu contexto ambiental do novo edifício utópico do alto modernismo), ao mesmo tempo que o elitismo e o autoritarismo proféticos do movimento moderno são implacavelmente identificados no gesto imperioso do Mestre carismático. ( Fragmento do livro Pós-Modernismo – A Lógica Cultural do Capitalismo Tardio, de Fredric Jameson. Editora Ática, São Paulo, 2007.)

quinta-feira, 26 de fevereiro de 2009

quarta-feira, 25 de fevereiro de 2009

Heliogabalo - ANTONIN ARTAUD




Antonin Artaud, nasceu em Marselha em 4 de setembro de 1896, e faleceu em Ivry-sur-Seine, Paris em 4 de março de 1948. Foi poeta, ator, escritor, dramaturgo, roteirista e diretor de teatro francês de aspirações anarquistas. Ligado fortemente ao surrealismo, foi expulso do movimento por ser contrário a filiação ao partido comunista. Sua obra O Teatro e seu Duplo é um dos principais escritos sobre a arte do teatro no século XX, referência de grandes diretores como Peter Brook, Jerzy Grotowsky e Eugenio Barba.
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Se em tôrno do cadáver de Heliogabalo, morto sem sepultura, e degolado pela sua polícia nas latrinas do seu palácio, há uma intensa circulação de sangue e de excrementos, em torno do seu berço há uma intensa circulação de esperma. Heliogabalo nasceu numa época em que toda a gente dormia com toda a gente e nunca se saberá onde nem por quem foi sua mãe realmente fecundada. Para um príncipe sírio como ele a descendência fez-se pela mãe – e, em matéria de mães, há em volta deste filho de cocheiro, recém-nascido, uma plêiade de Julias; e, utilizem ou não o trono, todas elas são putas rematadas,

O pai de todas, a fonte feminina deste rio de estupros e infâmias, tinha de ser cocheiro de fiacre antes de ter sido sacerdote; só isso explica o afã com que Heliogabalo, uma vez chegado ao trono, quer ser enrabado por cocheiros.

O caso é que a história, ascendendo por linha feminina às origens de Heliogabalo, depois inevitavelmente com esse crâneo nu e devastado, esse fiacre e essa barba que traçam na nossa memória a figura do velho Bassianus.

Que uma múmia destas servisse um culto, não condena em si mesmo o dito culto, mas os ritos imbecis e esvasados a que os contemporâneos das Júlias e dos Bassianos, e a Síria do recém-nascido Heliogabalo, o haviam reduzido.

Mas que ver como esse culto, extinto e reduzido às ossadas de gestos a que Bassianos se entregava, ressucita, desde o aparecimento de Heliogabalo menino nos degraus do templo de Emesa. E retorna, sob as práticas e os paramentos, a sua energia de ouro concentrado, de luz retumbante e cercada, e volta a ser prodigiosamente ativo.

Em todo o caso, o velho Bassino, apoiado a uma cama como a um par de muletas, teve, de mulher casual, duas filhas, Júlia Domna e Júlia Moesa. Teve-as e saíram-lhe bem. Eram belas. Belas e bem dispostas ao seu duplo ofício de rainhas e de chamarizes.

Com quem fez ele estas filhas? A História, até hoje, não o diz. E admitimos que isso não tenha importância, obcecados que estamos pelas quatro cabeças em medalha de Júlia Domna, Júlia Moesa, Júlia Soêmia e Júlia Momoea. E Júlia Moesa – tendo por marido Sextus Varius Marcellus, mas sem dúvida fecundada por Caracalla ou por Geta (filho de Júlia Domna, sua irmã), ou por Gessius Marcianus, seu cunhado, esposo de Júlia Momoea; ou talvez, Sétimo Severo, seu cunhado segundo – engendra Varius Avitus Bassinus, falso Antonino, Sardánapalo, e, enfim, Heliogabalo, nome que parece ser a feliz contração gramatical das mais altas denominações do sol.
(Fragmento extraído de Heliogabalo ou O Anarquista Coroado, de Antonin Artaud. Editora Assírio e Alvim. Lisboa, 1982.)

terça-feira, 17 de fevereiro de 2009

O homem-aranha é flagrado - Ray Cunha


Ray Cunha visto pelo escritor, pintor e caricaturista Áureo Mello

www.solute.com.br/.../cronicas.htm


http://images.google.com/

O homem-aranha é flagrado

RAY CUNHA

(Ray Cunha é macapaense, autor dos romances A Casa Amarela e O Lugar Errado, e do conto A Caça, publicados pela Editora Cejup ; e da coletânea Trópico Úmido – Três Contos Amazônicos)

- Ela só tem onze anos - disse a mulher loira. Os cabelos dela tinham o tom branco de quando se é muito loiro. Por entre as mechas amarelo-claras vislumbrava-se o negror dos cabelos no rés do casco da cabeça. Riu. Tinha um riso paradoxalmente louco e controlado. Seus traços revelavam a aspereza dos objetos expostos à intempérie. Salvo a esperteza que se observava no seu rosto, lembrava uma vaca. Uma vaca oxigenada, mastigando chiclete.

O homem se mexeu na cadeira. Era o começo da noite. Comerciários dirigiam-se quase correndo para as paradas de ônibus. Automóveis passavam zunindo na frente do bar. Nuvens escuras pairavam ameaçadoras.

- Quanto? - disse ele. Seus cabelos também eram pintados, de acaju, e bem aparados. Seus braços magros e longos e seus dedos excessivamente compridos lembravam uma aranha.

A vaca parou de ruminar e pareceu pensar um pouco.

- Você sabe, é minha irmã... não pode ser por menos de mil reais - ela disse. - E outra coisa: você tem que devolver minha irmã do jeito que eu vou entregar...

- Bem, do jeito que você vai me entregar não dá para devolvê-la, mas ela será bem tratada - disse o homem-aranha, rindo imperceptivelmente.

A vaca ficou vidrada quando viu o dinheiro, mesmo assim o homem-aranha sentiu que alguma coisa não se encaixava. Deveria dar só a metade? Mas não havia razão para isso; a vaca já lhe arranjara tanta ninfeta que confiava plenamente nela, embora, agora, se tratasse da sua própria irmã. Ora, aquela vaca era capaz de vender a própria filha antes da idade de corte, nove anos.

Fechado o negócio, levou a menina para sua chácara, em Taguatinga Sul, onde estaria sozinho e poderia fazer o que quisesse com ela. Já estava babando só de vê-la. A menina tinha onze anos, mas parecia ter quatorze.

Os policiais deram o flagrante na hora em que o homem-aranha ia enfiando o caralho na boca da menina. Naquela noite, em vez de dar um banho de gato numa ninfeta, o homem-aranha ficou acordado por outro motivo, pois havia um colega de cela que não dispensava nem cu de velho, quando se tratava de estuprador de criança.

(Conto Extraído do livro O Casulo Exposto. Editora LGE, Brasília, 2009)