quarta-feira, 14 de maio de 2008

ANTONIN ARTAUD


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Artaud: a escrita masturbatória
Daniel Lins


Como falar sobre Antonin Artaud? O exercício parece impossível. Artaud explicado é uma abominação. Experimentar, ao invés de falar sobre, eis a que condenado. Atravessar o corpo de Artaud, atingir o corpo da terra e com ele os poros, os tóxicos, os sonhos envenenados por uma vida em guerra radical contra as representações, é mais que um desafio, é um exercício de recriação da vida pensada, imaginada, interpretada; é a invenção do corpo-pais, campo do transcendental no sentido deleuziano: “Quando se abre o mundo pululante de singularidades anônimas e nômades, impessoais, pré-individuais, Pisamos, afinal, no campo do transcendental”. Engendrar uma produção de Artaud, numa espécie de encarnação de uma escrita crua regada pelo sangue, pela saliva, pelo excremento: uma escrita fecal. Fecalidade como um corpo-sopro imbuído de merda, campo fulgurante, onde “a merda cheira a ser”, onde o excremento torna-se, na perspectiva artaudiana, a imagem da morte. Fecalidade que não atesta o amor pela escatologia mas a negação de uma ontologia centrada no identitário., no Uno, no Absoluto

Onde cheira à merda
cheira a ser
O homem podia muito bem não cagar
não abrir a bolsa anal
mas preferiu cagar
Assim como preferiu viver
em vez de aceitar viver morto
(...) aceitou viver sem corpo
quando uma multidão
descendo da cruz
à qual deus pensou tê-los pregados há muito tempo,
se rebelava
e armava com ferros, sangue,
fogo e ossos
avançava desafiando o Invisível
para acabar com o JULGAMENTO DE DEUS.

Mas vivenciar é também experimentar pensamentos nômades, produzir uma escrita das vísceras, elaborar conceitos grávidos de acontecimentos e trabalhar com citações inseridas no universo da contaminação e não da cópia, criando assim uma nova linguagem que cheira à vida, com suas impurezas, sujeiras, e que, de deslize em deslize, fabrica uma “enorme fábrica de carne” engendradora da merda necessária para desenhar na folha branca a escrita saída das pedras. Pedras dos rins, da vesícula, da verga enrijecida: verga dor, verga-ensangüentada, priapismo cristão, ereção dolorosa e perpetuamente mantida. Pedra do ânus, ventosa vaginal, grande boca devoradora do sol; absorção, expulsão, orgasmo sem queda, grito condenado à sua própria jubilação, sem recaída nem final possível. Pedra como passagem que bloqueia os orifícios da vida – vagina, clitóris, vagina,cu, por onde o devir-cocô e o devir- Ser encontram sua singularidade regida por uma lógica do múltiplo sentido: “A merda nasce no cérebro, o Ser e o cocô são a mesma coisa, que carregam em si, com sua parte maldita, sua própria morte”. Para Artaud, “Viver é eternamente sobreviver remastigando seu eu de excrementos, sem nenhum medo de sua alma fecal, força que tem fome de enterro.

Mergulhador de mares e lagos profundos; mergulhador da essência radical, sob suas formas trágicas e absolutas, Artaud impõe à escrita o corpo a corpo, o “encontro marcado”, que significa também, em grego, encontro amoroso com a matéria, com a “linguagem matéria”, matéria que pensa, numa bacanal à qual não faltam nem as orgias escatológicas da “Festa de Deus”, selvagem e cruel, onde esperma e excremento se mesclam a Eros e Tanatos, nem uma ponta de revolta necessária à erotização da palavra e da criação literária, erotização-morte, morte que rima com amor. Artaud queria o corpo perfurando a língua, trespassando-a por confrontos hipersexuais – Heliogábalo – ou mágicos - Taraumaras -, executando, se necessário, uma espécie de esmagamento da carne e doa intestinos para chegar ao corpo da língua e da escrita: “Fui obrigado a cagar sangue pelo umbigo para chegar ao que almejava”, declara Artaud. Para ele, observou Anaïs Nin, “escrever também é doloroso. Só o consegue de maneira espasmódica e com grande esforço”. (Extraído do livro de Daniel Lins, Antonin Artaud: O Artesão do Corpo Sem Órgãos. Editora Relume Dumará. Rio de Janeiro, 1999. p.7-8-9)

Um comentário:

TERRA_VIVA disse...

Por gentileza queira informar quem pintou este quadro de Arthaud???