Ray Cunha visto pelo escritor, pintor e caricaturista Áureo Mello
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O homem-aranha é flagrado
RAY CUNHA
(Ray Cunha é macapaense, autor dos romances A Casa Amarela e O Lugar Errado, e do conto A Caça, publicados pela Editora Cejup ; e da coletânea Trópico Úmido – Três Contos Amazônicos)
- Ela só tem onze anos - disse a mulher loira. Os cabelos dela tinham o tom branco de quando se é muito loiro. Por entre as mechas amarelo-claras vislumbrava-se o negror dos cabelos no rés do casco da cabeça. Riu. Tinha um riso paradoxalmente louco e controlado. Seus traços revelavam a aspereza dos objetos expostos à intempérie. Salvo a esperteza que se observava no seu rosto, lembrava uma vaca. Uma vaca oxigenada, mastigando chiclete.
O homem se mexeu na cadeira. Era o começo da noite. Comerciários dirigiam-se quase correndo para as paradas de ônibus. Automóveis passavam zunindo na frente do bar. Nuvens escuras pairavam ameaçadoras.
- Quanto? - disse ele. Seus cabelos também eram pintados, de acaju, e bem aparados. Seus braços magros e longos e seus dedos excessivamente compridos lembravam uma aranha.
A vaca parou de ruminar e pareceu pensar um pouco.
- Você sabe, é minha irmã... não pode ser por menos de mil reais - ela disse. - E outra coisa: você tem que devolver minha irmã do jeito que eu vou entregar...
- Bem, do jeito que você vai me entregar não dá para devolvê-la, mas ela será bem tratada - disse o homem-aranha, rindo imperceptivelmente.
A vaca ficou vidrada quando viu o dinheiro, mesmo assim o homem-aranha sentiu que alguma coisa não se encaixava. Deveria dar só a metade? Mas não havia razão para isso; a vaca já lhe arranjara tanta ninfeta que confiava plenamente nela, embora, agora, se tratasse da sua própria irmã. Ora, aquela vaca era capaz de vender a própria filha antes da idade de corte, nove anos.
Fechado o negócio, levou a menina para sua chácara, em Taguatinga Sul, onde estaria sozinho e poderia fazer o que quisesse com ela. Já estava babando só de vê-la. A menina tinha onze anos, mas parecia ter quatorze.
Os policiais deram o flagrante na hora em que o homem-aranha ia enfiando o caralho na boca da menina. Naquela noite, em vez de dar um banho de gato numa ninfeta, o homem-aranha ficou acordado por outro motivo, pois havia um colega de cela que não dispensava nem cu de velho, quando se tratava de estuprador de criança.
(Conto Extraído do livro O Casulo Exposto. Editora LGE, Brasília, 2009)
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