quinta-feira, 26 de fevereiro de 2009
quarta-feira, 25 de fevereiro de 2009
Heliogabalo - ANTONIN ARTAUD
Antonin Artaud, nasceu em Marselha em 4 de setembro de 1896, e faleceu em Ivry-sur-Seine, Paris em 4 de março de 1948. Foi poeta, ator, escritor, dramaturgo, roteirista e diretor de teatro francês de aspirações anarquistas. Ligado fortemente ao surrealismo, foi expulso do movimento por ser contrário a filiação ao partido comunista. Sua obra O Teatro e seu Duplo é um dos principais escritos sobre a arte do teatro no século XX, referência de grandes diretores como Peter Brook, Jerzy Grotowsky e Eugenio Barba.
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Se em tôrno do cadáver de Heliogabalo, morto sem sepultura, e degolado pela sua polícia nas latrinas do seu palácio, há uma intensa circulação de sangue e de excrementos, em torno do seu berço há uma intensa circulação de esperma. Heliogabalo nasceu numa época em que toda a gente dormia com toda a gente e nunca se saberá onde nem por quem foi sua mãe realmente fecundada. Para um príncipe sírio como ele a descendência fez-se pela mãe – e, em matéria de mães, há em volta deste filho de cocheiro, recém-nascido, uma plêiade de Julias; e, utilizem ou não o trono, todas elas são putas rematadas,
O pai de todas, a fonte feminina deste rio de estupros e infâmias, tinha de ser cocheiro de fiacre antes de ter sido sacerdote; só isso explica o afã com que Heliogabalo, uma vez chegado ao trono, quer ser enrabado por cocheiros.
O caso é que a história, ascendendo por linha feminina às origens de Heliogabalo, depois inevitavelmente com esse crâneo nu e devastado, esse fiacre e essa barba que traçam na nossa memória a figura do velho Bassianus.
Que uma múmia destas servisse um culto, não condena em si mesmo o dito culto, mas os ritos imbecis e esvasados a que os contemporâneos das Júlias e dos Bassianos, e a Síria do recém-nascido Heliogabalo, o haviam reduzido.
Mas que ver como esse culto, extinto e reduzido às ossadas de gestos a que Bassianos se entregava, ressucita, desde o aparecimento de Heliogabalo menino nos degraus do templo de Emesa. E retorna, sob as práticas e os paramentos, a sua energia de ouro concentrado, de luz retumbante e cercada, e volta a ser prodigiosamente ativo.
Em todo o caso, o velho Bassino, apoiado a uma cama como a um par de muletas, teve, de mulher casual, duas filhas, Júlia Domna e Júlia Moesa. Teve-as e saíram-lhe bem. Eram belas. Belas e bem dispostas ao seu duplo ofício de rainhas e de chamarizes.
Com quem fez ele estas filhas? A História, até hoje, não o diz. E admitimos que isso não tenha importância, obcecados que estamos pelas quatro cabeças em medalha de Júlia Domna, Júlia Moesa, Júlia Soêmia e Júlia Momoea. E Júlia Moesa – tendo por marido Sextus Varius Marcellus, mas sem dúvida fecundada por Caracalla ou por Geta (filho de Júlia Domna, sua irmã), ou por Gessius Marcianus, seu cunhado, esposo de Júlia Momoea; ou talvez, Sétimo Severo, seu cunhado segundo – engendra Varius Avitus Bassinus, falso Antonino, Sardánapalo, e, enfim, Heliogabalo, nome que parece ser a feliz contração gramatical das mais altas denominações do sol.
(Fragmento extraído de Heliogabalo ou O Anarquista Coroado, de Antonin Artaud. Editora Assírio e Alvim. Lisboa, 1982.)
Se em tôrno do cadáver de Heliogabalo, morto sem sepultura, e degolado pela sua polícia nas latrinas do seu palácio, há uma intensa circulação de sangue e de excrementos, em torno do seu berço há uma intensa circulação de esperma. Heliogabalo nasceu numa época em que toda a gente dormia com toda a gente e nunca se saberá onde nem por quem foi sua mãe realmente fecundada. Para um príncipe sírio como ele a descendência fez-se pela mãe – e, em matéria de mães, há em volta deste filho de cocheiro, recém-nascido, uma plêiade de Julias; e, utilizem ou não o trono, todas elas são putas rematadas,
O pai de todas, a fonte feminina deste rio de estupros e infâmias, tinha de ser cocheiro de fiacre antes de ter sido sacerdote; só isso explica o afã com que Heliogabalo, uma vez chegado ao trono, quer ser enrabado por cocheiros.
O caso é que a história, ascendendo por linha feminina às origens de Heliogabalo, depois inevitavelmente com esse crâneo nu e devastado, esse fiacre e essa barba que traçam na nossa memória a figura do velho Bassianus.
Que uma múmia destas servisse um culto, não condena em si mesmo o dito culto, mas os ritos imbecis e esvasados a que os contemporâneos das Júlias e dos Bassianos, e a Síria do recém-nascido Heliogabalo, o haviam reduzido.
Mas que ver como esse culto, extinto e reduzido às ossadas de gestos a que Bassianos se entregava, ressucita, desde o aparecimento de Heliogabalo menino nos degraus do templo de Emesa. E retorna, sob as práticas e os paramentos, a sua energia de ouro concentrado, de luz retumbante e cercada, e volta a ser prodigiosamente ativo.
Em todo o caso, o velho Bassino, apoiado a uma cama como a um par de muletas, teve, de mulher casual, duas filhas, Júlia Domna e Júlia Moesa. Teve-as e saíram-lhe bem. Eram belas. Belas e bem dispostas ao seu duplo ofício de rainhas e de chamarizes.
Com quem fez ele estas filhas? A História, até hoje, não o diz. E admitimos que isso não tenha importância, obcecados que estamos pelas quatro cabeças em medalha de Júlia Domna, Júlia Moesa, Júlia Soêmia e Júlia Momoea. E Júlia Moesa – tendo por marido Sextus Varius Marcellus, mas sem dúvida fecundada por Caracalla ou por Geta (filho de Júlia Domna, sua irmã), ou por Gessius Marcianus, seu cunhado, esposo de Júlia Momoea; ou talvez, Sétimo Severo, seu cunhado segundo – engendra Varius Avitus Bassinus, falso Antonino, Sardánapalo, e, enfim, Heliogabalo, nome que parece ser a feliz contração gramatical das mais altas denominações do sol.
(Fragmento extraído de Heliogabalo ou O Anarquista Coroado, de Antonin Artaud. Editora Assírio e Alvim. Lisboa, 1982.)
terça-feira, 17 de fevereiro de 2009
O homem-aranha é flagrado - Ray Cunha
Ray Cunha visto pelo escritor, pintor e caricaturista Áureo Mello
www.solute.com.br/.../cronicas.htm
http://images.google.com/
O homem-aranha é flagrado
RAY CUNHA
(Ray Cunha é macapaense, autor dos romances A Casa Amarela e O Lugar Errado, e do conto A Caça, publicados pela Editora Cejup ; e da coletânea Trópico Úmido – Três Contos Amazônicos)
- Ela só tem onze anos - disse a mulher loira. Os cabelos dela tinham o tom branco de quando se é muito loiro. Por entre as mechas amarelo-claras vislumbrava-se o negror dos cabelos no rés do casco da cabeça. Riu. Tinha um riso paradoxalmente louco e controlado. Seus traços revelavam a aspereza dos objetos expostos à intempérie. Salvo a esperteza que se observava no seu rosto, lembrava uma vaca. Uma vaca oxigenada, mastigando chiclete.
O homem se mexeu na cadeira. Era o começo da noite. Comerciários dirigiam-se quase correndo para as paradas de ônibus. Automóveis passavam zunindo na frente do bar. Nuvens escuras pairavam ameaçadoras.
- Quanto? - disse ele. Seus cabelos também eram pintados, de acaju, e bem aparados. Seus braços magros e longos e seus dedos excessivamente compridos lembravam uma aranha.
A vaca parou de ruminar e pareceu pensar um pouco.
- Você sabe, é minha irmã... não pode ser por menos de mil reais - ela disse. - E outra coisa: você tem que devolver minha irmã do jeito que eu vou entregar...
- Bem, do jeito que você vai me entregar não dá para devolvê-la, mas ela será bem tratada - disse o homem-aranha, rindo imperceptivelmente.
A vaca ficou vidrada quando viu o dinheiro, mesmo assim o homem-aranha sentiu que alguma coisa não se encaixava. Deveria dar só a metade? Mas não havia razão para isso; a vaca já lhe arranjara tanta ninfeta que confiava plenamente nela, embora, agora, se tratasse da sua própria irmã. Ora, aquela vaca era capaz de vender a própria filha antes da idade de corte, nove anos.
Fechado o negócio, levou a menina para sua chácara, em Taguatinga Sul, onde estaria sozinho e poderia fazer o que quisesse com ela. Já estava babando só de vê-la. A menina tinha onze anos, mas parecia ter quatorze.
Os policiais deram o flagrante na hora em que o homem-aranha ia enfiando o caralho na boca da menina. Naquela noite, em vez de dar um banho de gato numa ninfeta, o homem-aranha ficou acordado por outro motivo, pois havia um colega de cela que não dispensava nem cu de velho, quando se tratava de estuprador de criança.
(Conto Extraído do livro O Casulo Exposto. Editora LGE, Brasília, 2009)
domingo, 8 de fevereiro de 2009
Tristana - José Edson dos Santos
quinta-feira, 5 de fevereiro de 2009
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