terça-feira, 30 de dezembro de 2008

O Amor é um Rock - Tom Zé

O Champanhe - Adrino Aragão


Anton Tchekhov




Adrino Aragão entre os escritores Donaldo Melo e Paulo José Cunha, na comemoração dos dez anos das Noites Culturais T-Bone, em 13/03/08.
Adrino Aragão de Freitas nasceu em Manaus, no dia 6 de outubro de 1936. Formado em Direito, trabalhou no Banco do Brasil, instituição pela qual se aposentou. Já ganhou prêmios literários e tem trabalhos incluídos em diversas antologias. Reside, atualmente, em Brasília. Obra de ficção: Roteiro dos vivos (Manaus, 1972), Inquietação de um feto (Manaus, 1976), As Três faces da esfinge (Natal, 1985). A Verdadeira festa no céu: ficção infanto-juvenil (Brasília, 1991). Tigre no espelho. Da anta Casa Editora, Brasília,1993. Os Filhos da Esfinge. Da Anta Casa Editora, Brasília, 1998. A Cabeça do Peregrino Cortada pelos Filhos do Cão. Valer Editora, Manaus, 2005. Conto, Não-Conto & Outras Inquietações, Da Anta Casa Editora, Brasília, 2006. O Champanhe. LGE Editora, Brasília, 2007. adrinoaragao@bol.com.br

Escritório de Escritor

Prateleiras abarrotadas de livros. Num pequeno espaço da parede, reproduções de Guernica (Picasso) e Comedores de Batatas (Van Gogh), e algumas molduras com fotos do escritor em lançamentos e palestras em escolas. Sobre a mesa, computador, impressora, resma de papel, caderno e o telefone dividem o mesmo espaço. Mais livros, revistas, cadernos e jornais se amontoam no chão, formam labirintos de difícil acesso. A janela, aberta para o antigo terreno baldio ao lado, agora ocupado por enormes edifícios de apartamentos, não permite mais que ele veja o céu límpido e as andorinhas em revoadas festejando o verão.

Mas nada disso preocupa nem atrapalha o escritor. Escrever é ato solitário, exige concentração e solidão. A vida toda, ele escreveu à máquina. Mas agora foi obrigado a trocar a maquina de escrever pelo computador, porque as editoras exigem que o texto lhes seja remetido em disquete, Aí começou o problema, agravado mais ainda quando , entre uma pausa e outra mais demorada, surge na tela o homenzinho agitado, consulta o relógio de algibeira, bate nervoso o pé, uma, duas, três vezes, pergunta em seguida: "Deseja ajuda?".

O escritor põe levemente os dedos sobre o teclado, olha a tela do computador. O homenzinho continua lá, anda de um lado para o outro, mãos e braços vltados para trás. O escritor sorri e diz: "Vamos, companheiro. Mas, desta vez, acalme-se, deixe-me escrever sossegado".

A sala é ampla. Na parede, o quadro com o rosto de Anton Tchekhov. Próximos à janela, o sofá e duas poltronas e uma penteadeira. Sobre a mesa de jantar coberta com toalha de linho branco, os pratos de porcelana, talheres de prata e taças de cristal, todos arrumados para três pessoas; no centro, duas novas edições de A gaivota e O jardim das cerejeiras. Na banqueta, o balde de gelo e a garrafa de champanhe sobre a bandeja de prata.

Boris, alto, forte, cabelo grisalhos, parece ser o mais velho, levanta-se e, com a taça do champanhe na mão, propõe o brinde.

Andrei, estatura mediana, cabelos castanhos, barba e bigode bem cuidados, oferece a taça do champanhe à exuberante Maria, cabelos prateados, olhos cinza-esverdeados, vestida com elegância.

- À memória de Anton Tchekhov, o maior escritor do mundo!

Boris, o pensamento mergulhado no passado, lembra o famoso escritor, as peças de teatro que ele escreveu e nas quais atuou Boris; já se passaram dez anos do falecimento, mas Anton Tchekhov permanece vivo não apenas na memória de cada um dos que ali se encontram reunidos, mas nos livros e nas peças que deixou. Olhando agora os livros no centro da mesa, a emoção é tão forte que Boris parece vê-lo presente, em carne e osso, como se vivo estivesse.

Mãos apoiando o queixo, Andrei sussurava o que dissera Anton Tchekhov: "Odiamos o passado, odiamos o presente e tememos o futuro. Esquecemos, no entanto, que o futuro que tememos se transforma no presente que detestamos e no passado que adoramos." Anton Tchekhov sabia das coisas, mais do que qualquer outro; mostrou isso sutilmente em cada obra que escreveu. Como no conto em que relata a história do esquisito professor de grego que, mesmo com o céu claro, o tempo bom, saia de galocha, guarda-chuva e sobretudo forrado de algodão. Se não bastasse, ele vivia prisioneiro numa redoma, para defender o culto à língua de Homero e ao passado que amava, de qualquer interferência da realidade que o mantinha em sobressalto permanente.

Maria encaracolava com os dedos a mecha de cabelos, perdia-se em devaneios. Ah, meu queridoAnton, não há um dia que eu não me pergunte por que você escolheu Olga e a não a mim, a sua "linda princesa dos contos de fada", às vezes me ponho a dizer alto, na tentativa de convencer a mim mesma, como Daniacha, a personagem em O cerejal: "Ele me ama, ele me ama tanto!". Chego a sentir arrepios.

Boris rompe o silêncio: estamos os três reunidos para homenagear Anton Tchekhov. Sem discursos, sem formalismos. Anton tinha horror a essas coisas. Gostava de simplicidade; aliás, simplicidade e concisão eis os dois pontos fundamentais da estética de vida e de literatura de Anton Tchekhov. Preciso ser conciso, explico-me. Cada um de nós tem boas lembranças dele. Sugiro que cada um conte alguma coisa sobre ele, mesmo que seja trivial, alguma confidência, por que não? Quem começa? Você? Ou você?

Eu? Por que eu? (Fragmento da novela O Champanhe, de Adrino Aragão. LGE Editora, Brasília, 2007)

sexta-feira, 19 de dezembro de 2008

Poesia sutil de Priscila Figueiredo



http://www.smarcos.br/newsPublisher/viewNews.php?codNews=517 -


http://blog.comunidades.net/galeria/srmoranguita8477...

Priscila Figueiredo fez Letras na USP e mestrado na área de literatura brasileira, sobre o livro de Mário de Andrade Amar, verbo intransitivo. A dissertação veio a ser publicada, em 2001, pela editora Nankin. Escreveu vários artigos para revistas e jornais, como a Folha de S. Paulo, onde foi, por quatro anos, consultora de português. Foi co-editora da revista Rodapé, voltada para a crítica de literatura brasileira contemporânea. Participou do Cálamo, grupo surgido em fins de 1990 a partir das oficinas literárias da Casa Mário de Andrade, integrado por pessoas de diferentes formações interessadas em produzir e discutir literatura. Desde 1998 trabalha na TV Cultura como assessora em língua e literatura, produzindo análises de poemas e canções para a seção "ponto.compoesia", do site de educação, e colaborando na pauta e redação do programa "Nossa Língua Portuguesa". Atualmente faz doutorado na USP sobre Macunaíma.
“Sutil, inteligente, reflexiva e de uma delicadeza pontiaguda” é a definição da poesia de Priscila Figueiredo para Reynaldo Damazio, da Unimarco Editora, para quem a autora apresenta uma visão interessante da literatura. Mas é a ironia e o tom satírico que marcam a atual fase de Priscila, que escreve poemas há 20 anos. “Já passei pela fase de poemas místicos, líricos, até atingir um ponto mais consistente, atualmente, com uma fase satírica”, disse ela.
“ As Anãs São Sempre Pobres...”
As anãs são sempre pobres
é incrível
minha mãe é cobradora
de ônibus e anã
ela fica sentada ninguém nota
com catraca eletrônica
a gente está perdida
no olho da rua
a gente vai comer o diabo
todo mundo vai saber
que minha mãe é anã
e pobre
a mão invisível só atrapalha
o único emprego que esconde minha mãe
é o de cobrador ela fica sentada
ninguém vê ou tem tontura
porque suas mãos grandes e rápidas
pegam o dinheiro e o contam e o recusam
quando ela não pode dar o troco
são mãos que não trazem perigo
esse trabalho era mesmo muito bom
porque a gente só podia ver as mãos dela
agora essas mãos andam em companhia do corpo
e vão lhe dizer: “Olhem com quem andam!”

O corpo da minha mãe não é estável

Tatu-bolinha

Você se eriça
Você se eriça todo
mas nem por isso
toma jeito
Assim é que ao preferir se dobrar
não dá margem para mim
não tenho simplesmente por onde
pegar as perninhas
alisar o seu oco
ou o seu
preenchimento – pense bem
isso é desesperador
Mas não pense
fique esférico
estratégia excelente para encolher
minha palavra desenvolvida

Luta de Classe I

Jandira insiste com a creolina
que a tudo corrói, limpa e higieniza
Jandira, até minhas tripas?
Depois pego Jandira na despesa
devorando mexericas quase podres
arrastando no chão sujo a bunda e o avental
praticamente novo

Jandira
na geladeira
o melão partido
a alface crestada
o molho branco destampado?
Jandira diabólica
trepa na minha vista
arreganha os dentinhos
criada surda curda fula
Jandira enfia no meu cu
o avental a creolina as cascas
eu engulo mais essa
fedentina de mexerica porcaria
dessa empregada
mole e revoltadinha
que empesteia de mexerica
toda a minha casa
toda a minha cozinha

Amor Imposível

Andréia é louca por melancia, manga e goiaba
mas Andréia tem grande preguiça
de comer melancia com tantas sementes!
Para Andréia, não há graça
em comer manga com faca
(e comer manga sem faca
é mesmo uma desgraça)
Andréia também não come goiaba
porque diz ela, são tantos os bichos...

Apesar disso
Andréia é louca por melancia, manga e goiaba

Canto da Sereia

Meu querido
este umbigo que vês
é o seu tanto soturno e pequenino
mas é odre de almíscar
celeiro de tigres
terra da Úmbria
é ainda
cantil de poeira
boca sem visgo
minha cicatriz mais triste

possa tua língua
escovar bem fundo
esse poço sem limo
este ponto de fuga
esta galinha morta
encruzilhada suja
em que se enruga
toda a Terra, toda a carne:

pelo ralo

segunda-feira, 15 de dezembro de 2008

Poemas de Robert Frost




A Estrada Que Não Tomei

Duas estradas num bosque amarelo divergem:

triste por não poder seguir as duas

sendo um só viajante, muito tempo parei

olhando uma delas, até onde podia alcançar,

pois atrás das moitas ela dobrava.


Então tomei a outra que me pareceu de igual beleza,

uma vantagem talvez oferecendo

por ser cheia de grama, querendo ser pisada:

embora neste ponto o estado fôsse o mesmo

e uma, como a outra, tivesse sido usada.

E naquela manhã todas as duas tinham

folhas ainda não escurecidas pelos passos.

Ora! Guardei a primeira para um outro dia!

Mas sabendo como uma estrada leva a outra,

duvidei poder um dia voltar!


Contarei esta estória suspirando,

daqui a séculos e séculos em algum outro lugar:

duas estradas, num bosque, divergiam

e eu tomei a que era menos frequentada

e foi isso a razão de toda a diferença!


Nossa Posse do Planeta

Pedimos chuva. Não houve relâmpago nem trovão.

Não houve um vendaval. Não houve incompreensão

nem nos deram mais do que pediramos

e só por havermos a chuva pedido

não nos castigaram com enchentes e calamidades

ganhamos, isso sim, um bom aguaceiro.

Que pudemos então p'ras sementes usar.

E depois veio outro, e depois outro ainda,

para o solo esponjoso bem fértil tornar.

Podemos duvidar da justa proporção entre o bem e o mau.

Na natureza há muito contra nós, mas há o que esquecemos:

se tomarmos a natureza como é desde o início dos tempos

incluindo o ser humano, na paz e na guerra,

veremos haver algo bom a favor dos homens,

talvez uma fração de um por cento pelo menos;

ou o número dos vivos não viria crescendo sempre

nem nossa posse do planeta teria aumentado tanto.

Robert Lee Frost (San Francisco, Califórnia, 26 de março de 1874 - 29 de janeiro de 1963) foi um dos mais importantes poetas dos Estados Unidos do século XX. Frost recebeu quatro prêmios Pulitzer. A produção literária de Frost é variada e abundante. Sua poesia inclui sonetos, poemas em forma de diálogo, poemas curtos, poemas longos. Escreveu três peças teatrais (A Way Out, In an Art Factory e The Guardeen). São numerosíssimos os registros de suas conferências. A correspondência, os ensaios e as histórias merecem o mesmo comentário. Frost tem a capacidade de dar um tratamento simples e ao mesmo tempo profundo a temas elementares (fogo, gelo, natureza), tirando verdadeiras "lições de moral" de suas observações do mundo natural (lições nem sempre otimistas, como se pode notar em Nothing Gold Can Stay). Tal traço, aliado à modernidade de sua linguagem (Frost era um defensor do uso da linguagem vernácula nas obras literárias), fez com que Frost jamais deixasse de figurar entre os escritores prediletos dos norte-americanos, ao lado de nomes como Whitman, Emerson e Thoreau. Seu poema The Road Not Taken é peça obrigatória em qualquer antologia poética de língua inglesa. Prova adicional de sua popularidade são as várias referências em filmes como Sociedade dos Poetas Mortos e Daunbailó.
(pt.wikipedia.org/wiki/Robert_Frost)

sábado, 13 de dezembro de 2008

Nefelibata / A Sopa e as Nuvens


http://tapostado.wordpress.com/



papagaio.wordpress.com


Sonheteiro nefelibata na varanda
contemplo nuvens do impalpável

Flibusteiro da fragata argonauta
vejo longarina vida singrando

Timoneiro da tormenta solerte
fito porto da morte de soslaio

Sinaleiro Juno do arrebol ausente
olho mundo como nuvem de maio

A Sopa e as Nuvens ( Charles Baudelaire )

A louca de minha amada me dava de jantar, e pela janela aberta da sala de refeições eu contemplava as movediças construções que Deus faz com as nuvens, as maravilhosas construções do impalpável. e dizia, comigo, através da minha contemplação: "Todas estas fantasmagorias são quase tão belas quanto os olhos de minha amada, a pequena louca monstruosa de olhos verdes."

De súbito senti um violento murro nas costas e ouvi uma voz rouca e encantadora, uma voz histérica, e como enrouquecida pela aguardente, a voz de minha querida bem-amada, que me dizia:

- Trata de tomar a sua sopa, seu maluco, mercador de nuvens!

quarta-feira, 10 de dezembro de 2008

Teatro de Animação - Ana Maria Amaral



(Ana Maria Amaral é professora da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo e encenadora de formas animadas.)

Teatro de Animação trata do inanimado, por isso poderia ser também chamado de teatro inanimado. O que é o Teatro do Inanimado?

Teatro do Inanimado é um teatro onde o foco de atenção é dirigido para um objeto inanimado e não para o ser vivo/ator.

Objeto é todo e qualquer matéria inerte. Em cena representa o homem, idéias abstratas, conceitos.

Inanimado é tudo aquilo que convive com o homem, mas é destituído de voliação e de movimento racional. Ao receber a energia do ator, através de movimentos, cria-se na matéria a ilusão de vida, e, aparentemente, passa-se a ter a impressão de ter ela adquirido vontade própria, raciocínio.

Todo ser vivo tem um centro pensante e um centro de equilíbrio. A qualquer objeto pode-se transferir vida, desde que num ponto qualquer de sua estrutura material, se localize um seu suposto centro pensante. O objeto assim simula pensar, sentir, querer, deduzir.

Todo corpo tem um ponto de equilíbrio. O corpo humano tem eixo mental e físico (cérebro e espinha dorsal) e tem membros (pernas, mãos, braços) através dos quais age e inter-age. Ao receber energia do ator, o objeto material também recebe um eixo central e membros, ou extensões. com os quais atua e se comunica.

Animar um objeto é deixar-se refletir nele, disse Mássimo Schuster. Boneco/objeto animado não é senão energia refletida do ator-manipulador. O que confere vida emotiva e racional ao objeto animado, durante o ato teatral, é a presença direta e atuante do ator sobre o objeto.

Existe uma distinção entre o personagem apresentado pelo ator-vivo e o personagem-boneco.

O ator confunde a sua própria imagem com a imagem do personagem. O ator encarna o personagem. O ator é visto. Já enquanto ator-manipulador, a sua imagem não é vista. Ou, quando é vista, quando na cena o ator-manipulador está visível, sua imagem deve ser uma imagem neutra, nunca a imagem do personagem propriamente. No Teatro de Animação a imagem do personagem é sempre diferente da imagem do ator-manipulador. Todo objeto animado, quando bem manipulado, neutraliza a presença do ator.

Como disse Émile Copferman, o ator é. O ator existe, tem vida. Em cena, representa ser outro, mas conserva sempre a memória de si, e quase sempre trai o personagem, pois, ele não é o personagem. Já o boneco não é, isto é, não existe, não tem vida própria, mas é o personagem, o tempo todo.

Para Oskar Zich existem duas maneiras de se perceber um personagem animado. Ou melhor, existem dois tipos de Teatro de Animação: um teatro em que os personagens são vistos apenas como objetos, isto é, sem vida; e um teatro em que os personagens são vistos como dotados de vida. No primeiro caso, predominando a percepção de sua materialidade, não os levamos a sério. Ao tentarem imitar a realidade teornam-se grotescos. Despertam o riso. Já no segundo caso, a percepção de vida é mais importante do que a percepção das características materiais do objeto ou do boneco animado. Tornam-se assim enigmáticos, são mistério, estranheza. Vão além da realidade. Despertam o poético.

Também Meyerhold via dois tipos de teatro de bonecos: um teatro em que o diretor pretende que os seus bonecos se assemelhem o mais possível ao homem, e um teatro em que o diretor não pretende reproduzir a realidade. Na tentativa de copiar o humano, os bonecos ficam apenas cômicos. Meyerhold observa ainda que, se o que se pretende é reproduzir a realidade, por que usar bonecos e não atores vivos de uma vez? Deve-se usar bonecos apenas quando o que se pretende é apresentar peculiaridades do boneco enquanto boneco mesmo, salientando seus movimentos, sua forma, explorando suas metáforas, sem distorcer sua natureza.

Nestas considerações sobre o teatro de bonecos, Meyerhold faz um paralelo com o teatro de ator. Assim como não se deve fazer com que o boneco expresse plenamente suas características de não-realidade ou fantasia, assim também o ator não deve copiar a realidade como tal, mas deve criar, dentro da linguagem teatral, algo além dessa realidade usando para isso uma linguagem não naturalista. Teatro não é vida. E quanto menos real mais próximo da essência que se pretende representar.

Existem portanto dois tipos de Teatro de Animação. Um teatro cômico, caricato, e um teatro poético, mais na esfera de idéias simbólicas.

O importante, ao se tentar dar vida ao inanimado, é ressaltar as peculiaridades intrínsicas da materialidade com que todo objeto é feito.

Teatro é esse encontro entre realidade e irrealidade. Irrealidade se intui. Realidade é o que se vê em cena, é tudo que ali está, e o que se vê e está em cena são elementos materiais. A matéria em si, em toda a sua realidade, ao mesmo tempo que toca o nosso consciente racional, provoca apelos ao nosso inconsciente e desperta em nós outros níveis, anímicos. Em cena é magia. Animar o inanimado é traspor um limiar.
(Extraído do Livro Teatro de Animação, de Ana Maria Amaral. Ateliê Editorial. SP, 1997)

segunda-feira, 8 de dezembro de 2008

Bachelard e Monet: do Olhar à reflexão - José Américo Pessanha



As Ninféias, 1916 - Claude Monet
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José Américo Pessanha - Foi professor de Filosofia da UFRJ. Publicou: "Bachelard e Monet: do olhar à reflexão", no Caderno Cinza do Rio Arte e "Itinerário da Paixão" (Sobre Clarice Lispector) e "Camus: o absurdo na paisagem", edição Cadernos Brasileiros.

Investigador das duas vertentes da imaginação – a imaginação científica e a imaginação artística -, Gaston Bachelard (1884-1962) reavalia o papel do olhar na construção do imaginário. Denuncia o ocularismo da cultura ocidental e mostra que o vocabulário básico da ciência e da filosofia está marcado pela hegemonia da visão. O “novo espírito científico” exige, porém, o reexame do pressuposto ocularista, que tendera a fazer da realidade um espetáculo a ser contemplado: o fenômeno não é mais propriamente “descoberto”, antes “inventado”, subentendendo uma fenomenotécnica, que revaloriza a noção de manualidade.

Bachelard mostra a existência de uma imaginação material ao lado da imaginação formal, baseada na visão. A imaginação material resulta de nossa inserção enquanto corpo no corpo do mundo e alimenta um imaginário que trasparece sobretudo nos devaneios, na arte, na filosofia. Esse imaginário resgata o valor da “mão que sonha” e produz realidades artísticas, quer movida pela vontade de criar que a leva a enfrentar a resistência do mundo (na escultura), quer gerando novas realidades por meios “alqímicos” (na gravura, na pintura).

Claude Monet (1840-1926) é interpretado por Bachelard. Monet – “é apenas um olho, mas que olho!”, exclama Cézanne – é talvez o maior dos impressionistas. Pinta paisagens, tentando captar o percurso do tempo pela captação da luz de cada instante. E pinta reflexos de paisagens em águas tranqüilas ou encrespadas. Parece passar do instante do olhar da reflexão, ali onde arte e filosofia se aproximam na fronteira entre o fugaz e o permanente. ( Texto extraído de O Olhar. Funarte/Núcleo de Estudos e Pesquisas, 1988 )