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A Cobra e o Rato
- Para que realmente tenhas prazer e piedade,
não esqueças quando olhares a noite,
que serei uma estrela de cauda incandescente,
disse o Rato quando era devorado pela Cobra.
A Cobra sem remorso ou comoção
se deliciava com avidez e ironia:
- E serei todo o firmamento
a envolver o teu brilho opaco
e por mais que tentes tersiversar
fatalmente te encontrarás perdido
e nada mais...
O Broxar do Jacaré
Depois de dulcinicamente assassinar o Torquato
na Gargântua dos Duendes Silibrinos
(exercício cínico de criação coletílica)
o Jacaré apresentou
uma diamba capeta
à Sucuri serelepe e multicolorida
e foram beber a lua de úbere
que se desmanchava
na avenida L-2.
Prontamente
a lombra bateu nos sentidos
levando os dois nefelibatas
ao itinerário letárgico
do Grande Circular.
Doida noite desceu
na soturna boca do desvario
pela Asa Norte de sordidez
derrubaram cervas e vodcas
para chatear os infortúnios da virtude
e lembrar que o pecado
morava ao lado da kitchenette kitsch
que servia de studio e alcova.
A noite assobiava sendas e vícios
sob a fuligem dos viadutos e
os aviãozinhos rondavam as mesas
como se dissessem assim com o olhar:
- Olhaí, bacana, tem do branco
e tem do preto, tá a fim?
- Nada disso pau-de-rato!
Quando se paparica uma xotinha
não se perde a oportunidade
impunemente
nem pelo reino da lata!
Contra-ataca o Jacaré de relance.
A Sucuri suspira sua provocação ofídia
antes de dar o bote fatal
segura a mão do Jacaré
e maliciosamente deixa em cima
de sua xuranha orvalhada.
O Alligator de caralho duro
meio desprevenido
dá um uivo de tesão
antes de entrar no jogo
amoroso em pleno bar,
Sexta-feira bastarda
o garçom chega de repente
com a conta para cortar a onda
dizendo que irá fechar.
A Sucuri desapontada e cínica
retoca o batom carmim na boca,
olha o garçom com desprezo
e sentencia lacônica:
- Paga a conta, Jacaré!
Na kitsch kitchenette
o Alligator sob o abajur azul
e o David Sanborn na vitrola
descobre a constatação ululante
um Crocodilo e uma Cobra
sedentos de libidinagem
quando atravessam a madrugada bebendo
acabam ficando um caco sem pique.
Na hora de dar no couro
o Jacaré sente o drama freudiano
e brocha geral.
A Sucuri amuada e sonolenta
se vira de lado
e finaliza decisiva:
- Amanhã, não quero ver mais a tua cara, Jacaré!...
(Do livro Bolero em Noite Cinza, Da Anta Casa Editora. Brasília, 1995)