Ao sair de casa dou de cara com nova rosa no meu jardim. É uma pequena rosa amarela que se banha, sem prestar atenção a mim, ao sol redentor. Namoro-a. Ela continua seu banho, alheia ao mundo. As rosas são assim mesmo, só se importam com o sol. Mas eu gostaria de continuar perto dela apenas para a amar. Contudo, só beija-flores, borboletas e, claro, o sol e a brisa a tocam as rosas. E também mulheres que amam.
Parece que Deus arrumou a manhã para mim. As mangueiras estão grávidas e no ar pairam risos de crianças e tênues cheiros que lembram mulher com Chanel número 5 e mar. Certa vez, sentou-se ao meu lado, no ônibus, uma menina. Teria 14 anos. Tinha o encanto que todas as meninas têm. Perguntou-me onde ficava tal lugar – queria descer ali. Sosseguei-a. Disse-lhe que a avisaria quando ela deveria descer. Passado um pouco, ela cochilou e encostou a cabeça no meu ombro. Olhei-a. Dormia como uma criança. Procurei não me mexer até o ponto em que ela deveria descer. Acordei-a. Ela despertou sorrindo, agradeceu e se foi. Tinha a indiferença das rosas, mas, como as rosas, deixou um rastro tênue de cheiros.
Depois do trabalho, de volta a casa, paro no Big Bar, na 311 Sul, e peço uma Bohemia. Sabe-me enevoada. O rio da tarde murmura. A tarde se evola, se dilui. Os flocos negros da noite começam a cair. O sol se põe e os sons da tarde vão dando lugar à noite. Uma mulher passa na calçada. É uma linda mulher, que enobrece mais ainda os murmúrios do anoitecer.
Lembro-me, de repente, do Walmir Botelho, que me ensinou a transitar nas esquinas tumultuadas das redações dos jornais. O Walmir Botelho é diretor de redação de O Liberal de Belém do Pará. Quando vou a Belém, tomo meu banho noturno bebendo Cerpinha, e depois continuo bebendo Cerpinha e vendo a cidade, lá embaixo, da janela do hotel. Em Goiânia, bebo Brahma; no Rio de Janeiro, chopp da Brahma; em Manaus, Antarctica. Bebi durante 40 anos e deixei de beber para valer em 2008, mas uma vez ou outra bebo vinho ou Bohemia, ou Cerpinha.
Vou para casa. Em casa, olho para a pilha dos livros que estou lendo. O primeiro deles é Da Minha Janela – Crônicas da política brasileira (LGE Editora, Brasília, 2010), do jornalista André Gustavo Stumpf. Vou resenhá-lo. Também preciso ler História Desagradáveis, de Gladstone Machado de Menezes (LGE Editora, Brasília, 2010). Estou lendo em casa A Bíblia de Jerusalém, que me foi recomendada por Erwin Von-Rommel, autor de 100 Segredos (Zennex Publishing, São Paulo, 2003). À noite, na cama, leio a Verdade da Vida, volume 3 (Seicho-No-Ie do Brasil, 1962), de Masaharu Taniguchi. Quando vou para o trabalho, leio O livro dos espíritos (Instituto de Difusão Espírita, São Paulo, 1984), de Allan Kardec.
Coloquei ainda na pilha O Pequeno Príncipe (Agir, Rio de Janeiro, 1987), de Saint Exupéry. Li-o há muito tempo. Depois o li novamente, agora para minha filha, Iasmim, quando minha princesinha era um bebê. Lembro-me dos grandes olhos negros da Iasmim pousados em mim enquanto lia o livro, e nas ilustrações. Foi aí que comecei a chamar para minha princesinha de “meu bem”. E também foi Exupéry que me despertou para as coisas que não vemos com os olhos físicos, mas apenas com o coração.
Ao chegar em casa, vejo que chegaram dois volumes pelos Correios. Abro-os. Um é para eu entregar para o Joy Edson (José Edson dos Santos); o outro é para mim. Trata-se de Adoradores do Sol – Novo textuário do meio do mundo (Scortecci, São Paulo, 2010), de Fernando Canto. Fernando Canto é o escritor que melhor representa Macapá, a cidade que fica na esquina do maior rio do mundo, o Amazonas, com a Linha Imaginária do Equador. Macapá fica no mundo das águas, a meio caminho do Caribe e da Hileia. Vou mergulhar no texto de Fernando Canto, pois estou há muito tempo em Brasília.
A noite lá fora é azul escuro, tão azul que sangra.
Ray Cunha nasceu em Macapá/AP. Estreou na literatura em 1972, com o livro coletivo de poemas Xarda Misturada (edição dos autores, Macapá), juntamente com o poeta e contista José Edson dos Santos (Joy Edson) e José Montoril. Em 1982, a União Brasileira de Escritores, seção de Manaus, publicou Sob o céu nas nuvens, poemas.
Em 1990, Ray Cunha estreia na ficção, com A grande farra (edição do autor, contos, Brasília). Em 1996, a Editora Cejup, de Belém do Pará, publica o conto A caça e o romance O lugar errado. Em 2000, publica Trópico Úmido – Três contos amazônicos (Brasília, edição do autor) e, em 2005, a Editora Cejup volta a publicar um romance do escritor, A Casa Amarela.
Paralelamente à carreira de escritor, em 1975, Ray Cunha estreia no jornalismo como repórter policial do Jornal do Commercio de Manaus. Na Amazônia, trabalhou ainda, entre outros jornais, em A Crítica, de Manaus; Gazeta do Acre, de Rio Branco; e O Liberal e Diário do Pará, de Belém. Em Brasília, foi repórter, redator e editor de jornais como o Correio Braziliense e Jornal de Brasília. É editor do portal Conexão CPLP (http://www.conexaocplp.com.br/).
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