terça-feira, 15 de setembro de 2009

Jean BAUDRILLARD


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A arte sempre seguiu regras e os padrões estéticos da sociedade em que esteve contextualizada. Podendo também assumir um caráter próprio através das influências dos artistas vanguardistas que a visualizaram. Padrões, estilos e proposições da arte e da cultura midiática sempre foram recomendadas por alguns intelectuais e dândis que desejam impôr seus padrões e estéticas a toda sociedade menos esclarecida. Lendo Moderno e Pós-Moderno, de Teixeira Coelho, pintaram alguns questionamentos: O contemporâneo, aquilo que é do tempo em que vivemos, é moderno? A modernidade toda ela, é contemporânea? Por ser moderna uma coisa é contemporânea? Pode o contemporâneo ser antigo? Para mediar e contrapor essas questões imbricadas em outras considerações, surgiu um fragmento textual de Jean Baudrillard.
“Se fosse caracterizar o estado atual de coisas, eu diria que é o da pós-orgia. A orgia é o momento explosivo da modernidade, o da liberação em todos os domínios. Liberação política, liberação sexual, liberação das forças produtivas, liberação das forças destrutivas, liberação da mulher, da criança, das pulsações inconscientes, liberação da arte. Assunção de todos os modelos de representação e de todos os modelos de anti-representação. Total orgia de real, de racional, de sexual, de crítica e de anticrítica, de crescimento e de crise de crescimento. Percorremos todos os caminhos da produção e da superprodução virtual de objetos, de signos, de mensagens, de ideologias, de prazeres. Hoje, tudo está liberado, o jogo já está feito e encontramo-nos coletivamente diante da pergunta crucial: o que fazer após a orgia?”.
(...)
No fundo, a revolução já aconteceu em toda parte, mas não do modo como se esperava. Em toda a parte, o que foi liberado o foi para passar à pura circulação, para entrar em órbita. Com certo recuo, pode-se dizer que o fim inelutável de toda a liberação é fomentar e alimentar as redes. As coisas liberadas são dadas à comutação incessante e, portando, à indeterminação crescente e ao princípio de incerteza.
(...)
Quando as coisas, os signos, as ações são libertadas de sua idéia, de seu conceito, de sua essência, de seu valor, de sua referência, de sua origem e finalidade, entram então numa auto-reprodução ao infinito. As coisas continuam a funcionar ao passo que a idéia delas já desapareceu há muito. Continuam a funcionar numa indiferença total a seu próprio conteúdo. E o paradoxo é que elas funcionam melhor ainda.
Assim, a idéia de progresso desapareceu, mas o progresso continua. A idéia de riqueza que sustenta a produção desapareceu, mas a produção continua firme. Ao contrário, ela acelera-se à medida que se torna indiferente a suas finalidades de origem. Do aspecto político, pode-se dizer que a idéia desapareceu, mas que o jogo político continua numa indiferença secreta a seu próprio desafio. Da televisão, pode-se dizer que ela se passa numa indiferença total as suas próprias imagens (ela poderia continuar assim até na hipótese do desaparecimento do homem). Haveria em todo o sistema, em todo o indivíduo, a pulsão secreta de livrar-se de sua própria idéia, de sua própria essência, pra conseguir proliferar em todos os sentidos, para extrapolar em todas as direções? Mas as conseqüências dessa dissociação só podem ser fatais. Qualquer coisa que perca a própria idéia é como o homem que perdeu a sombra – cai num delírio em que se perde.
Aqui começa a ordem, ou a desordem metastática, de demultiplicação por contigüidade, de proliferação cancerosa ( que não obedece nem ao código genético do valor). Esmaece então de certa forma em todos os domínios a grande aventura da sexualidade, dos seres sexuados – em proveito do estádio anterior (?) dos seres imortais e assexuados, reproduzindo-se Omo os protozoários, por simples divisão do Mesmo e declinação do código. Os seres tecnológicos atuais, as máquinas, os clones, as próteses, todo eles tendem para esse tipo de reprodução e, lentamente, induzem os mesmo processos nos seres chamados humanos e sexuados. Todas as tentativas atuais, entre as quais a pesquisa biológica de vanguarda, tendem para a elaboração dessa substituição genética, de reprodução seqüencial linear, de clonagem, de partenogênese, de pequenas máquinas celibatárias.
Na época da liberação sexual, a palavra de ordem foi “o máximo de sexualidade com o mínimo de reprodução”. Hoje, o sonho de uma sociedade clônica seria o inverso: o máximo de reprodução com o mínimo possível de sexo. Outrora o corpo foi a metáfora da alma; depois foi a metáfora do sexo; hoje não é mais metáfora de coisa nenhuma. É o lugar da metástase, do encadeamento maquínico de todos os seus processos, de uma programação infinita sem organização simbólica, sem objetivo transcendente, na pura promiscuidade consigo mesmo, que é também a das redes e dos circuitos integrados.” (Jean BAUDRILLARD. Fragmento de A Transparência do Mal: Ensaios sobre os Fenômenos Extremos. Editora Papirus, São Paulo, 1992.)

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