terça-feira, 2 de setembro de 2008

Feminismo Pós-Moderno - Eleanor Heartney



Toda violência é a ilustração do estereótipo patético...Barbara Kruger
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As feministas pós-modernas, adotando as designações impostas às mulheres pela cultura patriarcal – mulheres como natureza, mulher como corpo, mulher como emoções – insistiam que a arte não devia tentar oferecer imagens positivas da experiência da mulher, já que isso, inevitavelmente, acabaria servindo a uma ideologia ou outra. Acreditavam que a sua tarefa era revelar com as nossas idéias de ser mulher e feminilidade são construídas socialmente. Perseguiam a idéia de feminilidade como uma máscara – um conjunto de poses adotadas por mulheres a fim de se conformarem às expectativas da sociedade sobre o ser mulher. Defendiam que não existe uma essência feminina – a mulher seria um conjunto internalizado de representações. Isso se conformava, de maneira geral, à visão pós-moderna da realidade. Como formulou a teórica feminista Kate Linker, “na medida que a realidade só poder se conhecida através das formas que a articulam, não existe nenhuma realidade fora da representação”.
Para compreender o processo pelo qual nossas visões de feminilidade são produzidas, as teóricas feministas voltaram-se para a psicanálise. Sentiram-se particularmente atraídas pelos escritos do psicanalista francês Jacques Lacan, que conferiu à teorias freudianas do desenvolvimento infantil um movimento pós-estrutural. Segundo Lacan, o inconsciente é estruturado como uma linguagem. Ele reescreveu O Complexo de Édipo em termos de relações de signos e significantes. O pai, que interrompe a identificação total do bebê com a mãe, torna-se, em Lacan, o Nome-do-Pai ou a Lei. É o representante da ordem simbólica, o mundo da linguagem em que a criança deve entrar para se tornar um membro da sociedade. Mas como a linguagem é sempre uma questão de significados aprovados e significantes desconectados de seus signos, a criança ao adquirir a linguagem perde a noção da totalidade que desfrutava em seu estado pré-edipiano. Portanto, os humanos são eternamente assediados pela noção da “falta”, e anseiam pela união rompida com o que a criança imaginou ser sua todo-poderosa mãe. Para Lacan, essa “falta” é a chave da psicologia. Ela inicia uma busca de substitutos que possam ocupar o lugar da chamada “mãe fálica perdida” (noção aparentemente contraditória que reflete a transformação lacaniana do falo para o significante de poder). Esses substitutos, conhecidos como fetiches, são objetos ou imagens (ou, em termos pós-estruturalistas, significantes isolados) em que os indivíduos carentes se fixam para abrandar um desejo impossível.
Não se pode deixar de perceber que tudo isso enfoca a formação do desejo masculino. É aí que entra a teoria feminista. Em um ensaio de grande repercussão e influência intitulado “Cinema Narrativo e Prazer Visual”, a teórica Laura Mulvey aplica a noção de fetiche à teoria do cinema. Ela argumenta que o cinema de Hollywood é estruturado em torno do olhar masculino. Supõe a existência de um espectador homem que transforma as mulheres em fetiches, ou da temida, mas desejada, “mãe fálica perdida” com a intervenção do pai ou da mulher castrada. Essa última é um artefato simbólico, cujo estado reduzido lembra ao homem a ameaça que a castração faz ao seu próprio poder. Portanto, ela é a figura que ele tem de subjugar para recuperar o domínio sobre o mundo.
Em seu extremo, o feminismo pós-moderno assumiu um tom puritano. As feministas do First Wave Feminists, que tinham celebrado a sexualidade feminina e expostos publicamente o seu próprio corpo nu, quase sempre voluptuosos, foram criticadas por fazerem o jogo das estruturas de poder patriarcal. As feministas pós-modernas, na tentativa de destruir o prazer estético que satisfazia os homens as custas das mulheres, muitas vezes perseguiram uma forma de iconoclastia, escolhendo trabalhar com as imagens de mulheres na mídia de uma maneira que reduzia o seu poder de sedução. Optaram por evitar representar o corpo feminino completamente baseadas na teoria de que qualquer forma de representação perpetua a objetificação da mulher.
Umas das artistas mais influentes nessa linha foi Bárbara Kruger. Como diretora de arte na década de 70, Kruger elaborou layouts para as revistas femininas da Conde Nast. Desenvolveu habilidades gráficas que empregou em seu trabalho de arte subseqüente, e uma noção que como as revistas manipulam seus leitores por meio das imagens. Como ela observou, “é dever da revista tornar você a imagem que ela faz da própria perfeição”.
Em sua arte, Kruger justapôs textos e descobriu ou criou imagens fotográficas de uma maneira que subverteu as convenções da mídia. Fragmentadas, removidas de seu contexto original e reproduzidas em preto e branco, as imagens estavam abertas a novas interpretações. Essa foram supridas pelos textos rigorosos lançadas como bandeiras de publicidade pelas imagens. Esses textos assumiram o tom autoritário da publicidade convencional, mas Kruger sutilmente manipulou a voz, invertendo a ordem em que o macho dominante fala como uma fêmea submissa. Neles, a voz é de uma mulher se dirigindo a um homem sobre as condições de suas desigualdades, mencionando que Seu olhar bate no meu ou anunciando Nós não seremos mais vistas nem ouvidas. Na última obra, Kruger combinou cada palavra com a sua tradução na linguagem dos mudos, sugerindo que, apesar de sua supressão, as mulheres encontrarão uma linguagem com que se comunicar. (Trecho extraído do livro Pós-Modernismo, de Eleanor Heartney. Ediotra Cosac & Naify. São Paulo, 2002.)

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