Bruce Nauman,
Anthro/Socio (Rinde Sppinning), 1992
Artes Híbridas
Lúcia Santaella
Há muitas artes que são híbridas pela própria natureza: teatro, ópera, performance são as mais evidentes. Híbridas, neste contexto, significa linguagens e meios que se misturam, compondo um todo mesclado e interconectado de sistemas de signos que se juntam para formar uma sintaxe integrada. Nesse território, processos de intersemiose tiveram início nas vanguardas estéticas do começo do século XX. Desde então, esses procedimentos foram gradativamente se acentuando até atingir níveis tão intricados a ponto de pulverizar e colocar em questão o próprio conceito de artes plásticas.
São muitas as razões para esse fenômeno da hibridização, entre os quais devem estar incluídas as misturas de materiais, suportes e meios, disponíveis aos artistas e propiciadas pela sobreposição crescente e sincronização conseqüente das culturas artesanal, industrial-mecânica, industrial-eletrônica e teleinformática. Uma vez que a questão das hibridizações nas artes é muito vasta, selecionei para discussão três campos que me parecem os mais significativos. Primeiro: as misturas no âmbito interno das imagens, interinfluências, acasalamentos, passagens entre as imagens artesanais, as fotográficas, incluindo cinema e vídeo, e as infográficas. Segundo: as paisagens sígnicas das instalações e ambientes que colocam em justaposição objetos, imagens artesanais bi e tridimensionais, fotos, filmes, vídeos, imagens infográficas e ciberambientes numa arquitetura capaz de instaurar novas ordens de sensibilidade. Terceiro: as misturas de meios tecnológicos presididos pela informática e teleinformática que, graças à convergência das mídias, transformou as hibridizações das mais diversas ordens em princípio constituitivo daquilo que vem sendo chamado de ciberarte.
Antes de tudo, cumpre apresentar um breve retrospecto para caracterizar em que momento, no percurso da arte moderna, as misturas entre as imagens e meios começaram se fazer sentir de modo mais intenso.
No seu objetivo progressivamente perseguido de desconstrução dos cânones herdados da Renascença e de rupturas da dependência da imagem dos objetos do mundo, a trajetória da arte moderna se estendeu pelo menos, de Cézanne a Mondrian. Do século XV ao século XIX, pinturas, gravuras e esculturas, de um modo geral, “representavam o mundo, real ou imaginário, como consistindo em figuras distintas, bem definidas e reconhecíveis em um espaço tridimensional ampliado”.
Entretanto, desde finais do século XIX, as artes já haviam abandonado as estruturas de espaço e tempo, de movimento e ordem dos modelos visuais legados pela tradição. Desde que Cézanne começou a procurar as estruturas espaciais essenciais que estavam subjacentes às impressões visuais sempre mutáveis, deu-se por iniciado um itinerário crescente de implosão dos sistemas de codificação artísticos e mesmo de seus suportes e materiais, assim como modos de fazer arte.
Mondrian é paradigmáticamente apontado como encerramento de um ciclo porque, justamente com outros abstracionistas geométricos, levou a abolição do figurativo e a ruptura com a denotação referencialista aos seus limites, como se a arte moderna tivesse aí finalmente encontrado um destino cujos germens já estavam semeados em Cézanne. Ora, o fim do ciclo desconstrutor da arte moderna, seu ponto de chegada, coincidiu com o ponto de partida de um fenômeno que passou a marcar crescentemente os caminhos da arte : a explosão dos meios de comunicação e da cultura de massas no contexto de uma expansão tecnológica que não cessa de avançar.
Desde os anos 50, acentuando-se nos anos 60 e, mais ainda nos 70, sofrendo o impacto dessa expansão, os processos artísticos, a partir da Pop Art, por exemplo, começaram a apresentar processos de mistura de meios e efeitos, especialmente dos pictóricos e fotográficos. Fazendo uso irônico, crítico e inusitadamente criativo dos ícones da cultura de massa, deram continuidade à hibridização das artes já iniciada no Dada, hibridização esta que se intensificou na década de 70, quando as instalações e ambientes começaram a proliferar. De acordo com os teóricos da pós-modernidade, na década de 60, a arte moderna, já crepuscular, cedia terreno para outros tipos de criação, dentro de novos princípios que são chamados de pós-modernos. Ora, se há uma face proeminente nesses princípios, essa é a face das misturas, passagens, hibridizações entre artes e entre imagens: as passagens entre imagens; as passagens sígnicas das instalações e o hibridismo digital.
( Texto extraído do livro de Lúcia Santaella: Culturas e artes do Pós-Humano – Da Cultura das mídias à Cibercultura. Editora Paullus. São Paulo, 2004 )
Lúcia Santaella
Há muitas artes que são híbridas pela própria natureza: teatro, ópera, performance são as mais evidentes. Híbridas, neste contexto, significa linguagens e meios que se misturam, compondo um todo mesclado e interconectado de sistemas de signos que se juntam para formar uma sintaxe integrada. Nesse território, processos de intersemiose tiveram início nas vanguardas estéticas do começo do século XX. Desde então, esses procedimentos foram gradativamente se acentuando até atingir níveis tão intricados a ponto de pulverizar e colocar em questão o próprio conceito de artes plásticas.
São muitas as razões para esse fenômeno da hibridização, entre os quais devem estar incluídas as misturas de materiais, suportes e meios, disponíveis aos artistas e propiciadas pela sobreposição crescente e sincronização conseqüente das culturas artesanal, industrial-mecânica, industrial-eletrônica e teleinformática. Uma vez que a questão das hibridizações nas artes é muito vasta, selecionei para discussão três campos que me parecem os mais significativos. Primeiro: as misturas no âmbito interno das imagens, interinfluências, acasalamentos, passagens entre as imagens artesanais, as fotográficas, incluindo cinema e vídeo, e as infográficas. Segundo: as paisagens sígnicas das instalações e ambientes que colocam em justaposição objetos, imagens artesanais bi e tridimensionais, fotos, filmes, vídeos, imagens infográficas e ciberambientes numa arquitetura capaz de instaurar novas ordens de sensibilidade. Terceiro: as misturas de meios tecnológicos presididos pela informática e teleinformática que, graças à convergência das mídias, transformou as hibridizações das mais diversas ordens em princípio constituitivo daquilo que vem sendo chamado de ciberarte.
Antes de tudo, cumpre apresentar um breve retrospecto para caracterizar em que momento, no percurso da arte moderna, as misturas entre as imagens e meios começaram se fazer sentir de modo mais intenso.
No seu objetivo progressivamente perseguido de desconstrução dos cânones herdados da Renascença e de rupturas da dependência da imagem dos objetos do mundo, a trajetória da arte moderna se estendeu pelo menos, de Cézanne a Mondrian. Do século XV ao século XIX, pinturas, gravuras e esculturas, de um modo geral, “representavam o mundo, real ou imaginário, como consistindo em figuras distintas, bem definidas e reconhecíveis em um espaço tridimensional ampliado”.
Entretanto, desde finais do século XIX, as artes já haviam abandonado as estruturas de espaço e tempo, de movimento e ordem dos modelos visuais legados pela tradição. Desde que Cézanne começou a procurar as estruturas espaciais essenciais que estavam subjacentes às impressões visuais sempre mutáveis, deu-se por iniciado um itinerário crescente de implosão dos sistemas de codificação artísticos e mesmo de seus suportes e materiais, assim como modos de fazer arte.
Mondrian é paradigmáticamente apontado como encerramento de um ciclo porque, justamente com outros abstracionistas geométricos, levou a abolição do figurativo e a ruptura com a denotação referencialista aos seus limites, como se a arte moderna tivesse aí finalmente encontrado um destino cujos germens já estavam semeados em Cézanne. Ora, o fim do ciclo desconstrutor da arte moderna, seu ponto de chegada, coincidiu com o ponto de partida de um fenômeno que passou a marcar crescentemente os caminhos da arte : a explosão dos meios de comunicação e da cultura de massas no contexto de uma expansão tecnológica que não cessa de avançar.
Desde os anos 50, acentuando-se nos anos 60 e, mais ainda nos 70, sofrendo o impacto dessa expansão, os processos artísticos, a partir da Pop Art, por exemplo, começaram a apresentar processos de mistura de meios e efeitos, especialmente dos pictóricos e fotográficos. Fazendo uso irônico, crítico e inusitadamente criativo dos ícones da cultura de massa, deram continuidade à hibridização das artes já iniciada no Dada, hibridização esta que se intensificou na década de 70, quando as instalações e ambientes começaram a proliferar. De acordo com os teóricos da pós-modernidade, na década de 60, a arte moderna, já crepuscular, cedia terreno para outros tipos de criação, dentro de novos princípios que são chamados de pós-modernos. Ora, se há uma face proeminente nesses princípios, essa é a face das misturas, passagens, hibridizações entre artes e entre imagens: as passagens entre imagens; as passagens sígnicas das instalações e o hibridismo digital.
( Texto extraído do livro de Lúcia Santaella: Culturas e artes do Pós-Humano – Da Cultura das mídias à Cibercultura. Editora Paullus. São Paulo, 2004 )
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