segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

A anta do meu terraço de antúrios - José Edson dos Santos


Seria heresia dizer que alguém invadiu matreiramente meu terraço para se proclamar minha santa ladainha de devoção. Certamente a arte com seus signos, a poesia, o mantra e a seresta que compactuamos na toca da tapioca ajudou na deglutição das formigas no terreno do antipático tamanduá bandeira. Cabe a sagacidade da razão como forma de pensamento conter o duelo preliminar entre o desatino da paixão e o estilhaço disso tudo. O território do amor e do seu duplo sempre deságua no rio do zoológico inconsútil. O resto é conversa fiada de quem não presta atenção à estação do ano.

Você nem sabe o tanto que procurei a floresta de nossos delírios, a hiléia prosopopéia de anta que cantava um samba canção como sinfonia ao sol particular, mas um cisco abestalhado entrou em meus olhos abrolhos e fiquei perdido no mato sem os cachorros da rainha abelha. Matutei alguns instantes como centelha e lembrei de usar aquele colírio colorido que me deste quando peguei a conjutivite das corujas doidivanas. Foi um alívio e um ledo engano frustrante, pois da floresta encantada, onde as árvores que nos sombreavam na primavera, restava uma espécie de bungavília e o ipê roxo não estava florido. A samaumeira, onde gravaste teu nome de canivete junto ao meu, com dois coraçõezinhos amorosos e uma seta de cupido, foi podada pela especulação imobiliária otária. Depois dos condomínios, arranha-céus tenebrosos desafiando as alturas.

Minha lagoa santa, lembras dos dias em que tecias paisagens loucas no canto de minha boca sedenta de desejo e sal? Teus pêlos, tua pele esplendorosa reluziam na água maravilha de provocação e sede. Beijos mentolados de batom na chuva contrapondo ao sacrifício da carne na sexta-feira da paixão sem chocolate e cereja. Dançavamos mambo para curar dor de garganta. Precisava encontrar um antídoto para a tesão desenfreada e as inclemências do corpo bambo. Não tinha nada de sado-masoquista nisso, apenas um ato singelo de bem querer à anta que judia o coração abobalhado de sortilégio com uma santinha-do-pau-oco. Esse formigamento dá uma fissura danada! O jeito é escutar alguma coisa do Frank Zappa do que ficar esperando pela diamba da preguiça.

O calor invade o zoo. Peço uma fanta uva no tropical bar de sempre e a paixão escancarada se apodera do meu peito. Escute aqui, antinha escrachada, modere no moderex com coca-cola. Deixe de anorexia e quebranto. Não é legal ficar piradinha fazendo pirraça na praça das três garças mitificadas. Não complique o bailado trivial com o bolero descompassado dos quero-queros. Tente entender meu urro noturno embucetado, ando meio tresloucado com a bunda de quati de fora. Se o rio das antas não mudar seu curso e desaguar em meu estuário, garanto que viro uma capivara ensandecida para lutar contra minha insensatez. Se não for desta vez, de que adianta entrar na água santa de tua lagoa para lavar a manta de cetim que ficou tingida de mágoa e mercúrio?

Maldita enxaqueca que não me larga quando me deixas só. Solitário falando sozinho com os duendes do relento. Sou mais um mapinguari abandonado e ciumento na noite cinzenta. Preciso de vinho e uma jugular que acalante a pasmaceira de esperar pela segunda-feira cheia de surpresas, trazendo o sol de dezembro para bronzear as patas tentadoras de minha anta. Bichos estranhos e loucos nesta fauna fauvista e exótica reverenciamos a natureza de nossa costela para aquecê-la em um céu de pecados e estrelas. Mesmo com toda a rotação de disco alterado, espere por mim, antinha safada, na estrada que leva a boate dos suspiros. Prometo que levo um buquê de antúrios.