sábado, 30 de janeiro de 2010

A Síndica das emoções subliminares José Edson dos Santos



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Depois do café apressado no Grão de Pólen, do cigarro sedentário fumegado no preâmbulo matinal, da hipocondria que teimava em ficar remoendo um fatídico filme familiar, entro no elevador sozinho e deparo com Arlete, a síndica do prédio, como se estivesse substituindo a assessorista de minhas emoções subliminares. Ela se posiciona em minha frente dominadora para sussurrar próximo da orelha onde ostento um percing colocado por Eva Célia. Ontem a noite foi porreta, ela diz com a voz de Salomé, acionando o botão da porta impaciente. Fico encabulado mais ainda consigo contrapor com certo cinismo:

- Arlete, sua ninfomaníaca, assim você me maltrata. Tenho que voltar ao trabalho...

Com Arlete não há razão para preliminares de sutilezas do cama, mesa e foda. O abraço afoito, o beijo úmido e ardente, o desejo estampado nos olhos de lince faminta como se fosse a assessorista de minhas perversões sadomasoquistas. O trabalho na Gazeta da Asa Norte que aguarde a entrevista que faria com o Renato Matos sobre Olhos D'Água, amanhã entrego no meu horário adicional. "janeiro seria breve demais ou será mais verdadeiro?"

* Martha Medeiros, em Cartas Extraviadas. L&PM Pocket, 2009.

segunda-feira, 18 de janeiro de 2010

Martha Medeiros - Cartas Extraviadas



http://colunas.g1.com.br/files/25/2008/11/martha.jpg

Martha Medeiros é colunista do jornal Zero Hora de Porto Alegre, e de O Globo, do Rio de Janeiro. Trabalhou em propaganda e publicidade, mas logo se sentiu frustrada com a carreira. Quando seu marido recebeu uma proposta de trabalho no Chile, decidiu que uma mudança de país seria uma ótima oportunidade para dar um tempo na profissão. Esta estada de nove meses no Chile, na qual passou escrevendo poesia, acabou sendo um divisor de águas na sua vida. Quando voltou para Porto Alegre, começou a escrever crônicas para jornal e, a partir daí, sua carreira literária deslanchou. http://pt.wikipedia.org/wiki/Martha_Medeiros


minha desilusão e desejo foram folhetinescos
eu fui uma maria louca, uma ana das lágrimas
personagens cujos nomes trazem um destino
fui tereza dos anjos, vera das cruzes
chorei mais que em uma novela das oito
glória dos aflitos, santa dos mistérios
sofri em silêncio e aos gritos
rita das trevas, cássia das dores, rosa noturna
fui uma fátima de todos os lamentos
até que um dia me vi atendida em meus pedidos
sem prévio aviso não havia mais sufoco em meu peito
nem homem algum no pensamento
rebatizada: helena das flores, clara do sol
doeu também o amor deposto
visto que todo sentimento que some também é abandono
mas respiro melhor como rosa dos ventos, serena da silva

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deixei cair a santa de gesso, espatifou no chão, a santa
não sei que santa era aquela que me foi dada
não tive curiosidade de saber, e ela quebrou no chão
antes de eu descobrir que tipo de proteção me aguardava

-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-

dia após dia o mesmo prato requentado
tarde da noite e nada aconteceu
desperto no escuro ainda é cedo pra acreditar
que vai haver futuro e que vale a pena
esperar de banho tomado

segunda-feira, 4 de janeiro de 2010

Anas - José Edson dos Santos





Poema para acordar Ana Luiza


Talvez você não saiba, Ana

ananás é uma bromélia

que dá uma flor

e um fruto bem bacana


Que na luta do dia-a-dia

todos os sacanas dos abacaxis

devem ser descascados

com cuidado, Ana


Ana Galega


Transporto na carruagem dos dias

sinaleira de sonhos

ritos de infância

primaveras deveras


Olhos de omelete

fritando sol bardo

Beijo paisagem

amanhecida no rio do sono


Desabono babilaques

lirismo percevejo

onde moleque molho

linguagem-de-araque

em coração de serafim


Anacrônico


Quando acorda

o sol tem outra idade


a paisagem virou condomínio

e a manhã amadureceu

com o fruto da tenacidade


A música dos pássaros

cultiva o campo dos anos

onde o espanto é outro


Nunca vi ninguém perceber
anacrônico sentimento do espelho
na porcelana dos olhos de Ana