quinta-feira, 31 de dezembro de 2009

Ano Novo e Esperança





Meia noite. Fim

de um ano, início

de outro. Olho o céu:

nenhum indício.


Olho o céu:

o abismo vence o

olhar. O mesmo

espantoso

silêncio


Da via láctea feito

um ectoplasma

sobre a minha cabeça:

nada ali indica

que um ano novo começa:

nada ali indica

que um ano novo começa:


E não começa

nem no céu nem no chão

do planeta:

começa no coração.


Começa como a esperança

de vida melhor

que entre os astros

não se escuta

nem se vê

nem pode haver;

que isso é coisa de Homem

esse bicho

estrelar

que soma

(e luta)





Lá bem no alto do décimo segundo andar do Ano

vive uma louca chamada Esperança

e ela pensa que quando todas as sirenas

todas as buzinas

todos os reco-recos tocarem

- Ó delicioso vôo!

Ela será encontrada miraculosamente incólume na calçada,

outra vez criança...

e em torno dela indagará o povo:


- Como é teu nome, meninazinha de olhos verdes?

E ela lhe dirá

(É preciso dizer-lhes tudo de novo!)

Ela lhes dirá bem devagarinho, para que não esqueçam:

- O meu nome é ES-PE-RAN-ÇA...

domingo, 20 de dezembro de 2009

Jorge de Lima - Poemas de Natal



oglobo.globo.com/blogs/fotoglobo/post.asp?t=b...

Jorge de Lima nasceu em Alagoas, em 1893. Fez os primeiros estudos em sua cidade, União, e depois em Maceió, no Colégio dos Irmãos Maristas. Estudou Medicina em Salvador, transferindo-se para o Rio de Janeiro, onde defendeu tese sobre os serviços de higiene na capital federal. Ainda estudante de Medicina, publicou seu primeiro livro, XIV Alexandrinos (1914). Após ter se formado, retornou a Maceió. Sem jamais ter abandonado a Medicina, lecionou na Escola Normal Estadual da cidade, chegando a ser diretor. Ocupou outros cargos públicos estaduais, como Diretor-Geral da Instrução Pública e Saúde e Deputado, além de manter constante seu interesse pelas artes plásticas.Em 1930, transfere-se, definitivamente, para o Rio de Janeiro, onde clinica e leciona Literatura Brasileira, nas Universidades do Brasil e do Distrito Federal. Em 1925 foi eleito vereador, ocupando, três anos mais tarde, a presidência da Câmara, no Rio de Janeiro. Assinalou a polimórfica trajetória com muitos e sucessivos rótulos estéticos: modernista, regionalista, nativista, “cantor da poesia negra e do folclore”, neo-simbolista, místico-realista, “poeta cristão.” ·Sua obra mais conhecida, "Essa negra Fulô", foi publicada em seu livro "Novos Poemas". Faleceu, no Rio de Janeiro, em 1953.

Poema de Natal

Era um Natal. E um poema de alegria
escrito pela mão que se iludia

E nele havia dádiva do dia
e nele havia sinos acordados;

e havia nele tudo o que se espera
com seus anseios sempre contrariados

só lhe faltava o que ninguém sabia
porque ficara n’alma o que fizera.

Poema de Natal

Era um poema freqüente
repetido
com o menino nos braços
de uma virgem
Desse poema presente
e sempre ouvido,
os tempos e os espaços
tinham origem
pois à origem do poema
sempre havia
essa virgem e o infante
e a poesia.
E era o início e era a extrema
da criação,
era o eterno e era o instante
da canção.

Natal

Feliz de quem, quando o ano termina,
possui um doce e acolhedor abrigo:
a companheira, o filho, a avó tão rara
ou mesmo o amigo
com quem possa se reunir em Cristo
e sua vida interior desperte viva
de dentro de si uma alma de São Francisco
o amor generoso, o heroísmo estranho
de beijar um leproso.

De lembrar-se de que há no mundo
criaturas de Deus pelo Natal
sem companheira, e sem a avó tão rara
e sem um beijo da mãe ou um beijo de filho,
e até um livro que substitua o amigo.

Feliz de quem, quando o ano termina,
pode ver a estrela no céu
e tem olhos ainda
para encontrar Jesus.

terça-feira, 15 de dezembro de 2009

Fernando Canto - O Homem Curvo


www.maisturismo.net/tag/cidades-estado-do-amapa/




Fernando Canto - Escritor e compositor amapaense, premiado no I Concurso de Contos das Universidades do Norte (Núcleo de Arte/UFPA-1992), com o conto O Bálsamo, que depois virou título de livro, editado pela EDUPA (Belém-1995). Outras obras publicadas: Os Periquitos Comem Mangas na Avenida” (Macapá, 1984), Telas e Quintais (1987), Água Benta e o Diabo (1998) e equinoCIO (2004). Sobre a cultura amapaense em www.fernando-canto.blogspot.com/
O Homem Curvo
Meus olhos infantis ainda enxergam o homem sentado na ponta do trapiche; a trouxa ao lado e a calça escura balançando ao vento. Sua silhueta lembra um soldado descansando da campanha e o jeito magro e curvo parece mostrar mais lassidão, assim como um cavalo magro e velho pastando em campo infértil.
Há três dias aquele homem está sentado no mesmo lugar como se estivesse pescando sem linha, sem caniço ou anzol na maré seca de ondas ralas. Isso é motivo de preocupação. Mas a minha preocupação infantil é jogar meu futebol na praia lamacenta da frente da cidade. Não consigo, porém, me concentrar. A bola é chutada para dentro do rio que já vem enchendo. É lateral. Vou pegá-la adiante e vejo o homem mais perto. Ele está lá. Impassível. É uma estátua viva. “Joga a bola G.”, meus amigos gritam. Eu deixo a pelada de praia, me visto, apanho os jornais que me restam para vender e resolvo ir onde o homem está.
Um sol de equinócio racha meus cabelos escorridos e o solado dos meus pés acostumados que são a andar descalços sobre a enorme ponte de madeira. Ando quase 500 metros, encontrando pessoas e vou vendendo jornais. Ainda bem que o vento espanta esse sol abrasador. Barco chega, barco parte, ancora, aporta e descarrega. E o homem lá. Seu modo esquisito de se comportar dá a impressão que compartilha um segredo com as águas ondeantes do rio, pois elas chegam e varam os pilares do ancorandouro associando uma música estranha aos meus ouvidos.
Aproximo hesitante do homem curvo e ele não dá a mínima. Nem diz, como os outros adultos “Sai daí menino, é perigoso ficar na beira do trapiche”. Ofereço-lhe o último exemplar do jornal e ele fala “Não sei ler”. Mas eu respondo “Eu leio pro senhor”. “Não precisa, ele diz, eu sei de tudo o que se passou aí atrás, por isso estou aqui olhando as águas.”
Sento ao lado dele e fico horas jogando conversa fora. Parece que agora sei tudo sobre ele e entendo porque ele está ali há tanto tempo sem dormir, sem se alimentar e sem fazer as necessidades fisiológicas. Compreendo sua sede de olhar o rio que vem e que vai, assim como se apresenta o destino no meu entendimento de menino trabalhador. No calor da empatia lhe pergunto tudo. Ele me diz que só não pode dizer o que traz na sua trouxa. Fico aflito, mas ele me conforta, passando as mãos nos meus cabelos.
A manhã passa e um dia inteiro fica no passado. Eu ainda estou ao lado do homem contemplando o rio e os pássaros que flecham com seus voos o céu do poente e da nascente. Não sei quantos dias já se passaram. Sei apenas que num certo momento, na hora em que nascem os raios de sol, ele me fita e diz: “Vou embora. Mas vou deixar minha trouxa aqui neste trapiche. Por favor não abra. Adeus”.
Como se suas pernas fossem de pau, compridas, iguais às dos palhaços do Circo Garcia, ele levanta e segue para dentro do rio até desaparecer no canal.
Lembro que chorei muito. Ao chegar em casa a febre inevitável do encantamento me fez delirar por tantos dias que quase fui internado no Hospital Geral. Mas nada como um chá de ervas e outros esforços familiares para eu ficar bom. Até benzeção e banho de cheiro me ajudaram na retirada do quebranto.
Ao olhar, hoje, o rio e as ondas se quebrarem no trapiche, na emoção de pisar no baluarte de Nossa Senhora da Conceição, sobre a Fortaleza de São José de Macapá, não vejo mais a silhueta do homem curvo. Mas tenho a ligeira impressão que ele ainda está lá. Não sumiu no canal. Todavia, creio que se ele não estiver, está a sua trouxa de sarrapilha encostada num pau de amarração dos barcos. E nela, intuo, reside algo bom, tão bom quanto a esperança que precisa ser guardada numa trouxa qualquer, sob pena de homens e crianças perderem o encantamento que mora no barro e emerge sempre do fundo do rio.
(Publicado no livro “Trapiche – Ancoradouro de Sonhos”. Edição comemorativa à reconstrução do Trapiche Eliezer Levy. Org. Marcia Correa.)

terça-feira, 8 de dezembro de 2009

William Butler YEATS



Retrato de W.B. Yeats, da autoria de seu pai, John Butler Yeats - 1906


William Butler Yeats nasceu em 13 de junho de 1865, em Dublin, Irlanda, onde se desenvolveu em um meio culto e criativo. Poeta e autor teatral, Prêmio Nobel (1923) de Literatura. Foi o representante máximo do Renascimento irlandês e um dos escritores mais destacados do século XX.
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O Prazer do Difícil


O prazer do difícil tem secado

a seiva em minhas veias.

A alegria espontânea se foi.

O fogo esfria no coração.

Algo mantém cercado meu potro,

como se o divino passo

já não lembrasse o Olimpo,

a asa, o espaço, sob o chicote,

trêmulo, prostrado,

e carregasse pedras.

Diabos levem

as peças de sucesso que se escrevem

com cinqüenta montagens e cenários,

o mundo de patifes e de otários

e a guerra cotidiana com seu gado,

afazer de teatro, afã de gente.

Juro que antes que a autora se apresente

eu descubro a cancela e abro o cadeado.


Berenice


Sonhei que a noite se fez luz

e, aberto o céu de par em par,

que os meus cabelos eu depus

sobre um sepulcro inscrito: Amar.

E alguém levou-os sem que eu visse

num grande turbilhão de ar

e foi pregar uma fogueira

no breu da noite - a cabeleira

branca, a brilhar, de Berenice.
A Rosa do Mundo
Quem sonhou que a beleza passa como um sonho?
Por estes lábios vermelhos, com todo o seu magoado orgulho,
tão magoados que nem o prodígio os pode alcançar,
Tróia desvaneceu-se em alta chama fúnebre,
e morreram os filhos de Usna.
Nós passamos e passa o trabalho do mundo:
entre humanas almas que se agitam e quebram
somo as pálidas águas e seu fluxo invernal,
Sob as estrelas que passam, sob a espuma do céu,
vive este solitário rosto.
Inclinai-vos, arcanjos, em vossa incerta morada:
antes de vós, ou de qualquer palpitante coração,
fatigado e gentil alguém esperava junto ao seu trono;
ele fez do mundo um caminho de erva
para os seus errantes pés.