sexta-feira, 28 de agosto de 2009

Goethe, Schiller e Drummond



A educação estética do homem era um dos grandes ideais que Goethe e Schiller colocaram em prática na poesia, no drama e na filosofia. A auto-educação compreendida pelo olhar humanista, a vocação do homem para a liberdade moral e a dignidade. Estão presente no mito de Fausto, de Goethe, o homem que vende a alma ao diabo em troca de sua imortalidade: "Por que fazes acordo conosco se não podes cumprí-lo? Desejas voar e não te sentes seguro ante a vertigem?"

Nas Cartas de Schiller:"É próprio do homem conjugar o mais alto e o mais baixo em sua natureza, e se sua dignidade repousa na severa distinção entre os dois, a felicidade encontra-se na hábil supressão dessa distinção. A cultura, portanto, que deve levar à concordância de dignidade e felicidade, terá de prover a máxima pureza dos dois princípios em sua mistura mais íntima". "Não haveria uso melhor para a liberdade que me concedeis do que chamar vossa atenção para o palco das belas-artes? Não será extemporânea a busca de um código de leis para o mundo estético, quando o moral tem interesse tão mais próximo, quando o espírito de investigação filosófica é solicitado urgentemente pelas questões do tempo a ocupar-se da maior de todas as obras de arte, a construção de uma verdadeira liberdade política?"

Refletindo sobre a importância e da dimensão desses pensadores, que participaram ativamente de um dos períodos mais fecundos da história da literatura e da filosofia alemã, aproveito a conexão literária e estética do Artevie para situar alguns aforismos de Carlos Drummond de Andrade, que remetem a atualidade aqui/agora e presentes no Avesso das Coisas:
Conhecimento - Mantemos reserva para com o desconhecido, esquecendo que não nos conhecemos a nós mesmos.
Educação - A educação visa melhorar a natureza do homem, e isso nem sempre é aceito pelo interessado.
Engano - Enganamos aos outros, porém não tanto quanto a nós mesmo.
Erro - É prefirível variar de erros a insistir no erro.
Escola - A escola ideal seria aquela em que a criança entrasse num túnel e saísse com diploma de nível superior.
Governo - Nada há a esperar de um governo que reflita os defeitos e vícios dos governados.
História - A história recente ainda não é História, porque a presenciamos, e a antiga também não, porque não a testemunhamos.
Homem - Os homens distinguem-se pelo que fazem, as mulheres, pelo que levam os homens a fazer.
Jornal - Mesmo para o jornalista aposentado, a notícia deve ser sempre nova.
Tarde - Tarde é sentir que as coisas mudam de forma ao desprenderem de nós.
Vida - O sentido da vida é buscar qualquer sentido.

quinta-feira, 20 de agosto de 2009

Os Abismos dos Amantes - Carlos Tavares de Melo



Carlos Tavares de Melo é jornalista, paraibano de João Pessoa, vive em Brasília há 24 anos, onde trabalhou no Correio Brasiliense, Jornal de Brasília e O Globo. Atualmente no Correio Web. O fragmento de Abismo dos Amantes faz parte do livro de contos Fábula da Febre. A Girafa Editora, São Paulo, 2005.
Prólogo
As sombras dançam, torcem-se, excitam-se, amam-se, pulsam vísceras do tempo em pêndulo envernizados pela memória, recitam versos na penumbra das línguas, há luz nas escarpas dessas almas, foscas as sombras; frágeis as mãos modelando odes nos refluxos dos ventres para túmidos espectros; as sombras escutam os ventos; os estribilhos da dor, retorcem-se inflam-se, alvéolos de luz em conchas marinhas; as sombras dançam, evolam-se, amam-se.

PRIMEIRO SOMBRA
Estrelas azuis, vermelhas, brancas transitam pelas galáxias dos versos. Nossos olhos rolam como rosas de chumbo pelas esteiras do mundo.

SEGUNDO SOMBRA
Dá-me uma estrela pelo amor dos lábios, pela língua dos astros. Rastreia-me com o lodo das luas, teu soluço de veludo - até fazer-me alvo do cometa incandescente.

PRIMEIRA SOMBRA
Semeia-me com o sêmen dos sonhos, com o plânctus do pesadelo, todos os dias. Dias de unir nossos verbos às pedras, ecos, unir nossos versos, unir nossos ventres à luz amalgamada da ficção que somos, do poeta que fomos.

SEGUNDA SOMBRA
Fulgores distantes e oriundos do nada ofuscam o que não queremos ser. Queremos luz, nada a não ser luzir, pulsar no coração do mundo e nadar nas transversais deste abismo. Somos apenas artérias, bulbos de flores raras em convulsão histriônica na mecânica da vida. Obstáculo do tempo que a clepsidra escoa, pequenas gotas do sereno amargo de ser. Dá-me teu fel.

PRIMEIRA SOMBRA
Quantas vejo não olho para o espelho e nada vejo? Reflexos pálidos do próprio espelho? Rugas precoces que o tempo imprime no rio da existência? Qual ferrugem que fulge no corpo arremessado contra as barreiras de luz?

SEGUNDA SOMBRA
Não vejo também no espelho. Tampouco no rosto que mira o contorno que não brilha, brilha, jamais reluz, caminha a esmo nas bordas de um prescipício.

PRIMEIRA SOMRA
Sinto medo. Estou com medo. Abrace-me.

SEGUNDA SOMBRA
De que? Sim, eu tenho medo, também. Mas sinto-me protegida na opacidade do espelho. Não quero ver-me. Quero sentir. Sentir o sabor e não existir porque nada assim é tátil, apesar do espelho em que nos refletimos.

PRIMEIRA SOMBRA
Mas somos sombras. As sombras do outro que jamais seremos revelam-se no curso das águas em que miramos os vincos que riscam nossas máscaras debruçadas sobre garfos e facas, sobre as ancas do amanhecer. Trôpegos entes engalfinhando-se em dores até as gotas de um seio ou nádega numa manjedoura de êxtase.

SEGUNDA SOMBRA
Sim, o que resta?

PRIMEIRA SOMBRA
Numa bandeira de sonhos misturaremos as outras sombras, as sombras das nossas hóstias, o néctar biliar das constelações que despencam no lado abissal dessa história, nossa bela e dúplice saga.

SEGUNDA SOMBRA

Nas margens abissais do teu corpo, se é que ele existe, seu corpo com esse ar de eternidade provisória, será apenas o meu caminho para que sua paina de honra e paixão seja cremada em frigideiras lunares. E um dia, sobre o prato amarelado do sol a se pôr, milhares de aves irão te roer, aves que fomos voejando em frêmitos, varando céus, infernos, céus, infernos, céus...