quinta-feira, 12 de junho de 2008


Bruce Nauman,
Anthro/Socio (Rinde Sppinning), 1992

Artes Híbridas
Lúcia Santaella

Há muitas artes que são híbridas pela própria natureza: teatro, ópera, performance são as mais evidentes. Híbridas, neste contexto, significa linguagens e meios que se misturam, compondo um todo mesclado e interconectado de sistemas de signos que se juntam para formar uma sintaxe integrada. Nesse território, processos de intersemiose tiveram início nas vanguardas estéticas do começo do século XX. Desde então, esses procedimentos foram gradativamente se acentuando até atingir níveis tão intricados a ponto de pulverizar e colocar em questão o próprio conceito de artes plásticas.

São muitas as razões para esse fenômeno da hibridização, entre os quais devem estar incluídas as misturas de materiais, suportes e meios, disponíveis aos artistas e propiciadas pela sobreposição crescente e sincronização conseqüente das culturas artesanal, industrial-mecânica, industrial-eletrônica e teleinformática. Uma vez que a questão das hibridizações nas artes é muito vasta, selecionei para discussão três campos que me parecem os mais significativos. Primeiro: as misturas no âmbito interno das imagens, interinfluências, acasalamentos, passagens entre as imagens artesanais, as fotográficas, incluindo cinema e vídeo, e as infográficas. Segundo: as paisagens sígnicas das instalações e ambientes que colocam em justaposição objetos, imagens artesanais bi e tridimensionais, fotos, filmes, vídeos, imagens infográficas e ciberambientes numa arquitetura capaz de instaurar novas ordens de sensibilidade. Terceiro: as misturas de meios tecnológicos presididos pela informática e teleinformática que, graças à convergência das mídias, transformou as hibridizações das mais diversas ordens em princípio constituitivo daquilo que vem sendo chamado de ciberarte.

Antes de tudo, cumpre apresentar um breve retrospecto para caracterizar em que momento, no percurso da arte moderna, as misturas entre as imagens e meios começaram se fazer sentir de modo mais intenso.

No seu objetivo progressivamente perseguido de desconstrução dos cânones herdados da Renascença e de rupturas da dependência da imagem dos objetos do mundo, a trajetória da arte moderna se estendeu pelo menos, de Cézanne a Mondrian. Do século XV ao século XIX, pinturas, gravuras e esculturas, de um modo geral, “representavam o mundo, real ou imaginário, como consistindo em figuras distintas, bem definidas e reconhecíveis em um espaço tridimensional ampliado”.

Entretanto, desde finais do século XIX, as artes já haviam abandonado as estruturas de espaço e tempo, de movimento e ordem dos modelos visuais legados pela tradição. Desde que Cézanne começou a procurar as estruturas espaciais essenciais que estavam subjacentes às impressões visuais sempre mutáveis, deu-se por iniciado um itinerário crescente de implosão dos sistemas de codificação artísticos e mesmo de seus suportes e materiais, assim como modos de fazer arte.

Mondrian é paradigmáticamente apontado como encerramento de um ciclo porque, justamente com outros abstracionistas geométricos, levou a abolição do figurativo e a ruptura com a denotação referencialista aos seus limites, como se a arte moderna tivesse aí finalmente encontrado um destino cujos germens já estavam semeados em Cézanne. Ora, o fim do ciclo desconstrutor da arte moderna, seu ponto de chegada, coincidiu com o ponto de partida de um fenômeno que passou a marcar crescentemente os caminhos da arte : a explosão dos meios de comunicação e da cultura de massas no contexto de uma expansão tecnológica que não cessa de avançar.

Desde os anos 50, acentuando-se nos anos 60 e, mais ainda nos 70, sofrendo o impacto dessa expansão, os processos artísticos, a partir da Pop Art, por exemplo, começaram a apresentar processos de mistura de meios e efeitos, especialmente dos pictóricos e fotográficos. Fazendo uso irônico, crítico e inusitadamente criativo dos ícones da cultura de massa, deram continuidade à hibridização das artes já iniciada no Dada, hibridização esta que se intensificou na década de 70, quando as instalações e ambientes começaram a proliferar. De acordo com os teóricos da pós-modernidade, na década de 60, a arte moderna, já crepuscular, cedia terreno para outros tipos de criação, dentro de novos princípios que são chamados de pós-modernos. Ora, se há uma face proeminente nesses princípios, essa é a face das misturas, passagens, hibridizações entre artes e entre imagens: as passagens entre imagens; as passagens sígnicas das instalações e o hibridismo digital.
( Texto extraído do livro de Lúcia Santaella: Culturas e artes do Pós-Humano – Da Cultura das mídias à Cibercultura. Editora Paullus. São Paulo, 2004 )

sábado, 7 de junho de 2008

Menezes y Moraes



Poetas: José Edson, Ivan Monteiro e Menezes y Moraes

Menezes y Moraes

Jornalista, professor e escritor, nasceu em Altos João de Paiva, e vive em Brasília desde 1980. Ex-presidente do Sindicato dos Escritores do DF. Tem 10 livros publicados: um de contos, uma peça de teatro, e oito de poesia, entre os quais Na micropiscina da lágrima feliz (poesia) e Por favor, dirija-se a outro guichê (teatro).

A Hora da Existência Calma

Lentamente a tarde recolhe
o cenário do tempo
e a noite entra em cena
feito um grito que irrompe do silêncio
com suas estrelas salpicadas de infinito
nessa hora da existênciaflita
os corações dos vivos se agitam
Queremos morte ao cogumelo atômico
Procuro o inatingível nos teus olhos
para transformá-lo em guia
y meu abrigo
A vida é intransferível e não hesito:
em ti eu confio

Garças do Paranoá

Garças no Paranoá
dizei-me
águas mais poluídas?
Valei-me
Garças do Paranoá
quintal de poder
mais careado
Não há
Garças do Paranoá
que notícias me dás dos morto
do acampamento Pacheco?
Garças do Paranoá
valei-me
serei feliz?

À mim não importa
se o destino quis
ou não quis

Eu sou feliz
desde o instante
em que me quis

Nós

Marquei encontro comigo e cheguei atrasado
Mas esperei por mim até o limite do intolerável
E olhei dentro dos olhos
espelhos do azul multiplicado
e sorrimos enternurados
partilhando sonhos inventando outras cidades
Depois pegamos o chapéu do tempo o casaco da vida
e fomos à luta contra as tempestades
Corações enflorecidos gritam na madrugada
Aurora do ser queu buscava é o amor que me esperava



A Olimpíada do Amor

Amor sublime dor
O coração de quem ama é cama de campanha
quando o amor se equilibra
campo de batalha
na corda bamba
ringue das artimanhas

O amor organiza o tempo

Há quem pensa que o amor é profissão
O amor é fundamental
o Tao branco de lavanderia celeste
lava mais ternura no coração do agreste
brota lágrimas nos olhos de Deus
O amor move o vento o amor é ateu

Sacrossanto auto-estrada do pensamento
corre atrás vai à luta
o amor é leveza anti-força bruta
razão do sentimento
o amor é sacerdócio
o amor é pasta de grão de bico
no pão integral do tempo

O homem-sonho é conteúdo da semente?
O amor faz chover em Brasília
O amor tem a fórmula
anticárie-carência da existência

“o amor força as portas dos infernos”?
em noite cinza diz um poeta amigo meu
o amor é um bolero

Enquanto o ódio se amputa
e o homemáquina se estraçalha
o amor é do caralho

E mesmo que o homem se compute
e a vida se distraia
o amor detona o tédio nos campos de batalha

Aquecimento Global